Dois homens, várias artes marciais, uma arena – conhecida por jaula – e um combate...
Estádio Nacional de Boxe de Dublin, 9 de abril. O atleta português de Artes Marciais Mistas (MMA), João ‘Rafeiro’ Carvalho, 28 anos, acabara de ser nocauteado na sua 1ª luta internacional frente ao irlandês Charlie ‘The Hospital’ Ward. Carvalho foi socado nove vezes, no chão, com o braço levantado para tentar proteger a cabeça. Mesmo depois da forte investida do adversário, saiu a caminhar.
"Estava a andar, a falar e a sorrir. Tudo parecia perfeitamente bem", revelou a responsável pela equipa médica do evento, Katarzyna Michlic, ao site especializado em MMA, Sherdog. Mas não estava tudo bem. Passados 20 minutos do combate, ‘Rafeiro’ sentiu-se mal, foi transportado ao Hospital Beaumont e acabou por falecer após 48 horas em estado crítico. Os resultados da autópsia apontam derrame cerebral como causa da morte.
Relacionadas
As imagens da parte final do combate, com o português a ser alvo de sucessivos murros, correram Mundo e provocaram controvérsia. Conor McGregor, campeão mundial de UFC, a principal liga de MMA, assistiu a tudo ao vivo. Charlie Ward é o seu parceiro de treinos. Logo após a luta, e ainda sem ter conhecimento do estado de saúde de João Carvalho, McGregor criticou o desempenho do árbitro Mariusz Domasat: "O rapaz sofreu duros golpes e o árbitro devia ter parado o combate mais cedo, os árbitros precisam de estar mais atentos."
O pai de Ward viria a defender o mesmo em declarações à RTÉ Radio 1: "O meu filho não queria matar ninguém, mas o árbitro podia ter sido um pouco mais rápido [a interromper]." Charlie Ward Sénior revelou também que o filho lhe tinha dito que não iria aplicar golpes fortes no último round, por saber "que já o tinha atingido com força e que até uma criança acabaria por derrotar" o português. "Ele disse-me que os socos [dados no chão] não foram nada fortes e não o iria fazer de forma alguma."
Na sequência das críticas, o juiz defendeu-se: "Se virem o combate percebem que não havia razões para parar antes. Parei quando o lutador não podia lutar mais. Toda a gente que tem uma ideia do que é o MMA sabe que interrompi o combate no momento próprio." Vítor Nóbrega, treinador de João Carvalho, também ilibou o árbitro, afirmando que "foram cumpridas todas as regras de segurança" e que "a arbitragem seguiu todos os procedimentos corretos e habituais".
"Árbitro fez o seu trabalho"
Paulo Oliveira é um árbitro português certificado pela Federação Internacional de Mixed Martial Arts (IMMAF) e foi um dos 24 selecionados, entre 40 candidatos, para arbitrar o Mundial amador de MMA, que terá lugar em Las Vegas, este mês, na mesma altura do UFC 200, maior evento da modalidade. A Record diz que as imagens que circulam na Internet "não têm o melhor ângulo" para avaliar se o combate de João Carvalho foi parado no momento certo. "Daquilo que podemos ver, o João está com três apoios no chão, numa posição que acontece com frequência no MMA, porque a partir dali o atleta ainda tem condições para continuar em combate. Pode levantar-se, pode tentar rodar e levar a luta para o chão ou pode tentar derrubar o adversário. Tem várias hipóteses precisamente porque o MMA mistura vários tipos de lutas. O seu 4º apoio, a mão direita, estava a proteger a cabeça. Pelas imagens não se percebe se os golpes estão a acertar na luva, no braço ou na cabeça."
O árbitro português sublinha que "nas regras de MMA não existe um número máximo ou mínimo de golpes que o atleta pode sofrer quando estão no chão". "As situações são analisadas com base nas reações motoras que o atleta possa ter. O árbitro deve ver se o atleta está a reagir e decidir a partir desse momento." Paulo Oliveira lembra que já parou vários combates em situações semelhantes: "Já me aconteceu várias vezes, fosse por KO ou por TKO, o chamado KO técnico, quando o atleta já não se consegue defender. Foi o que aconteceu ao João." O juiz analisou as imagens "várias vezes" e considera que "o árbitro fez o seu trabalho", mas "talvez pudesse ter terminado o combate um segundo antes". "Ele aproxima-se dos dois atletas quando o João está no chão. Devia estar a dizer-lhe para se defender ou mover. Dá esse aviso duas vezes e à 3ª termina. Esse é o procedimento normal."
"Pode ter acontecido antes"
Miguel Cardoso, médico especializado na parte desportiva, já prestou assistência em várias provas de MMA. Não esteve em Dublin, mas frisa que "os médicos podem terminar um combate sem o aval do árbitro". "Em qualquer situação de doença ou traumatismo grave o médico pode logo pôr fim à luta. Primeiro está o homem e só depois o atleta."
Nos eventos em que trabalhou, Cardoso garante que "sempre correu tudo bem". Dá o exemplo do International Pro Combat (IPC), maior prova de MMA realizada em Portugal, onde já trabalhou, "com equipa médica completa, bombeiros e todas as condições de segurança". "Em eventos dessa dimensão são realizados exames rigorosos aos atletas um ou dois dias antes."
João Carvalho faleceu na sequência de um derrame cerebral, embora a autópsia não tenha revelado se a causa foram as pancadas na cabeça durante o combate com Ward ou se já poderia existir de uma mazela anterior. A realização de um exame cerebral (TAC) antes do combate poderia servir para fazer o despiste, porém, segundo Miguel Cardoso, "nenhuma modalidade de combate obriga à realização de um TAC a menos que haja suspeitas".
Daniel Castanheira, médico e praticante de MMA, defende que a "hemorragia que vitimou João Carvalho pode ter sido provocada antes de o atleta estar no chão". "Nessa altura ele estava em modo de defesa, a tentar proteger a cabeça. O embate que sofria era o da sua própria proteção, do seu braço. Antes disso pode ter sofrido um golpe que lhe provocou a hemorragia e que depois apenas agravou com os embates seguintes."
Preparado para o combate?
Diana Jardim faz parte da organização do IPC e tem uma relação próxima com a Nóbrega Team, equipa a que pertencia João Carvalho. A promotora era amiga do lutador e considera que "o que se passou foi uma tragédia muito rara no MMA". "É uma modalidade que consiste num mix de várias artes marciais que existem há anos, com regras e estratégia. Não é uma luta de animais, como muitos quiseram fazer parecer depois do sucedido."
Este era o 3º combate profissional de João Carvalho e o primeiro a nível internacional. O seu adversário, Charlie Ward, tinha o mesmo número de combates, mas é parceiro de treinos de Conor McGregor, o grande nome do MMA mundial. Diana Jardim, também ela praticante, garante que João Carvalho "estava preparado". "Nunca se leva um atleta desequilibrado para um combate. A ideia é que o combate seja o mais equilibrado possível. Ninguém gosta de ver um atleta massacrar outro. Os próprios treinadores também não querem que isso aconteça." A amiga de ‘Rafeiro’ lembra que este esteve quase a ganhar o embate frente a Ward: "Fez um arm lock [chave de braço] que lhe correu mal. Foi um combate normal que acabou com uma fatalidade. É difícil aceitar este desfecho e ainda nem estou em mim, mas o João morreu a fazer aquilo que mais gostava. Talvez fosse o dia dele…"
Esta análise, porém, não gera unanimidade. Daniel Castanheira não conhecia João Carvalho, mas recorda que o atleta tinha apenas experiência em Portugal, "onde o MMA está a dar os primeiros passos e não é nada de especial em comparação a outros países". "Foi lutar com o colega de treino do Conor McGregor. Onde é que isto já se viu? A sua equipa tem de dizer que ele estava preparado, mas alguém que vai combater contra um tipo que é companheiro do Connor, e que luta com ele quase todos os dias, vai pôr-se numa situação difícil. Aquilo deve ter sido carne para canhão."
Quinta morte na modalidade
A modalidade foi oficializada em 2001. Desde então, já se registaram cinco mortes na prática de MMA: duas por hemorragia cerebral, uma devido a uma lesão contraída durante um combate e outra, em 2012, de um atleta que morreu por causas indeterminadas. A morte de João Carvalho, também por causa de um derrame cerebral, foi a quinta na sequência de um combate de MMA. Segundo um estudo de Gregory Bledson e Edbert Hsu, publicado em 2006 no ‘Journal of Sports Science’, o desporto é tão perigoso como o boxe. "A média de lesões sofridas em competições de MMA é similar às de outros desportos de combate, incluindo boxe. E a média de KO é menor nas competições de MMA do que no boxe", refere o mesmo estudo.
Não vale tudo no ringue
O MMA (Mixed Martial Arts) é um desporto de combate que se realiza numa jaula - sendo também por isso conhecido como ‘cage fight’, na expressão inglesa - e que mistura várias modalidades: boxe, karaté, judo, kickboxing, muay thai, jiu-jitsu brasileiro, full contact ou luta livre. Evoluiu a partir do Vale Tudo, modalidade criada no Brasil, mas com regras mais rígidas. Ao contrário da versão anterior, no MMA há várias barreiras que não podem ser ultrapassadas: é proibido atacar virilhas, coluna, garganta, olhos e nuca, assim como morder, puxar o cabelo ou dar pontapés e joelhadas na cabeça do rival, se ele estiver caído no ringue. Um lutador é desqualificado caso desrespeite estas regras por três vezes ao longo da luta. Os combates são compostos por três assaltos de cinco minutos, ou cinco rounds quando está um título em discussão.
Português alcança grande vitória sobre o norte-americano Brandon Royval
Wrestler norte-americano terminou carreira aos 48 anos, em Washington, com derrota por desistência
Na madrugada de sábado para domingo
Lutador admite que não gosta de fazer drama nestes momentos
Davy Klaassen inaugurou o marcador no clássico com o Feyenoord com um grande remate de fora de área
Vizelenses regressam aos triunfos após 'chicotada psicológica'
Jovem defesa do Boca Juniors fez confissão aos jornalistas
Formação brasileira venceu por 2-0, com golos de Léo Pereira e Danilo