O francês Kauli Vaast, que é natural do Taiti, e a norte-americana Caroline Marks, atual campeã mundial feminina em título, tornaram-se nos novos campeões olímpicos de surf, durante a madrugada desta terça-feira. Vaast e Marks foram os mais fortes nas ondas de Teahupoo, na Polinésia francesa, e sucederam ao brasileiro Italo Ferreira e à norte-americana Carissa Moore, que haviam sido os primeiros campeões olímpicos de surf, após a estreia da modalidade em Tóquio’2020.
O australiano Jack Robinson e a brasileira Tatiana Weston-Webb ficaram com as medalhas de prata, depois de terem sido derrotados em finais emocionantes nas ondas taitianas. Já a medalha de bronze sorriu ao brasileiro Gabriel Medina, que partia como grande favorito, mas que acabou por perder para Robinson nas meias-finais, e para a francesa Johanne Defay, que reforçou o estatuto de melhor surfista europeia da história. O peruano Alonso Correa e a costarriquenha Brisa Hennessy, que foi a responsável pela eliminação da portuguesa Yolanda Hopkins nos oitavos-de-final, ficaram sem medalhas.
Num dia que começou com escassos tubos, mas em que o mar foi crescendo com o passar das horas, Kauli Vaast aproveitou o conhecimento local para vencer uma bateria renhida, em que o peruano Alonso Correa ficou a lamentar a falta de uma segunda onda forte. Dessa forma, os 10,96 pontos do francês foram suficientes para superar os 9,60 do peruano.
De seguida, aconteceu aquela que muitos consideravam ser a final antecipada, entre Medina e Robinson. Com o mar a não colaborar com Medina, a primeira troca de ondas até favoreceu o brasileiro. Contudo, a meio da bateria, Robinson, que é especialista em tubos, encontrou uma rara onda que entubou, para garantir a melhor onda da bateria, colocando-se na frente do duelo. A verdade é que o brasileiro nunca conseguiu responder, ficando à espera até final do heat de ondas que nunca apareceram. Medina apanhou apenas uma onda com a qual somou 6,33 pontos, contra 12,33 de Robinson.
Jack Robinson, de 26 anos, confirmou o estatuto de um dos maiores rivais e "carrascos" de Gabriel Medina. Em 2023 foi precisamente Robinson que venceu no Taiti, tendo derrotado Medina na final, numa disputa decidida por apenas 0,66 pontos. Atualmente no 3.º posto do ranking mundial, tenta chegar pelo terceiro ano consecutivo à finalíssima pelo título mundial. Ele que tem como melhor resultado final um 3.º posto, em 2022.
Dessa forma, a final masculina marcou também uma luta especial entre França e Austrália pelo 3.º posto do medalheiro dos Jogos Olímpicos de Paris’2024. Numa altura em que os tubos já se faziam notar mais, foi o local Kauli Vaast a levar a melhor numa bateria em que foram surfadas apenas três ondas. O taitiano surfou as duas melhores da bateria num espaço de três minutos, ambas na casa da excelência, com um 9,50 e um 8,17, que perfizeram um score 17,67, enquanto Robinson sofreu do mesmo mal de Medina nas meias-finais, apanhando somente uma onda de 7,83 pontos e ficando à espera de uma segunda onda que nunca apareceu.
Kauli Vaast, surfista natural do Taiti, que cresceu a surfar a onda de Teahupoo, ocupa atualmente o 46.º posto do ranking do circuito Challenger Series, que é o equivalente à segunda divisão do surf mundial e onde se faz o apuramento para o principal circuito da WSL, o World Tour. Aos 22 anos, Vaast, que tem no currículo o título europeu júnior, tenta pelo quarto ano consecutivo a qualificação para a elite do surf mundial, onde apenas competiu como wildcard. Foi dessa forma que em 2022 conseguiu um surpreendente 2.º posto final na etapa de Teahupoo, sendo apenas derrotado na final pelo brasileiro Miguel Pupo. Agora, chega ao maior feito da carreira, com o título olímpico, oferecendo a 13.ª medalha de ouro à França e a 48.ª no geral, que colocou os franceses no 3.º posto do medalheiro, à frente da Austrália.
Na luta pelo bronze, Gabriel Medina viu Alonso Correa entrar mais forte, mas o brasileiro conseguiu reverter a situação, vingando a derrota nas meias-finais e impedindo o mesmo cenário de Tóquio, onde perdeu o bronze para o australiano Owen Wright. Com 15,54 pontos contra 12,43 pontos de Correa, Medina chegou, finalmente, a uma medalha olímpica, embora não fosse do metal mais desejado pelo surf brasileiro.
No lado feminino, Caroline Marks chegou à final após um duelo extremamente equilibrado com a francesa Johanne Defay. A competir de capacete, depois de já ter sofrido um golpe na cabeça ao cair e bater no reef de Teahupoo, Defay até começou a bateria mais forte. Apesar de ter estado apagada na primeira metade da bateria, Marks respondeu já perto do final e conseguiu empatar a bateria a 12,17 pontos já mesmo na reta final. Assim, o triunfo sorriu à norte-americana, em virtude de ter a melhor onda da bateria, com 7 pontos.
Na disputa seguinte, a brasileira Tatiana Weston-Webb chegou à final depois de um embate que ficou praticamente resolvido a largos minutos do final. Com o marcador ainda sem grande expressão, a brasileira conseguiu que a adversária fizesse uma interferência, que acabou por desnivelar a bateria. Weston-Webb tinha a prioridade, mas não mostrou interesse na onda. Hennessy aproveitou e arrancou, mas a adversária mudou de ideias e acabou por também entrar na onda. Como a prioridade estava do lado de Weston-Webb, Brisa Hennessy acabou por ver-lhe assinalada a interferência, que fez com que a segunda melhor onda fosse cortada, ficando apenas a contar a melhor. Dessa forma, o duelo terminou com 13,66 pontos da brasileira, contra somente 6,17 da costarriquenha.
Tatiana Weston-Webb, de 28 anos, é natural do Havai, mas optou por competir pelo Brasil durante o percurso olímpico para Tóquio’2020. Ocupa atualmente o 7.º posto do ranking mundial e tinha como melhor resultado em Teahupoo o 3.º posto alcançado este ano e também em 2022, quando eliminou Marks nos quartos-de-final. Contudo, desta vez foi diferente.
Em mais um heat muito equilibrado, Caroline Marks beneficiou de uma onda de 7,50 pontos para ir fazendo a diferença. Na última tentativa e já em cima do toque da buzina, a precisar de 4,68 pontos para chegar ao ouro, Weston-Webb ficou-se pelos 4,50 e a festa foi norte-americana. Os 10,50 pontos de Marks foram suficientes para os 10,33 da brasileira, com os Estados Unidos a conseguirem o segundo título olímpico consecutivo na prova feminina de surf e a assumirem também a liderança do medalheiro de Paris’2024, chegando às mesmas 21 medalhas de ouro da China, com um total de 79 medalhas.
Caroline Marks, de 22 anos, é a atual número 2 mundial e campeã do Mundo em título. Ela que foi uma das surfistas a qualificar-se mais cedo para o circuito mundial, quando tinha somente 15 anos. Vencedora da etapa do Taiti em 2023, este ano caiu nas meias-finais para Brisa Hennessy. Agora, conseguiu juntar o título mundial ao título olímpico. Algo que Italo Ferreira e Carissa Moore também tinham feito em Tóquio, uma vez que tinham sido campeões mundiais em 2019 e em 2020 o circuito não se realizou devido à pandemia de Covid-19.
A imprevisibilidade do surf ficou provada no facto de não existir qualquer repetente nas medalhas, entre Tóquio e Paris. Dos medalhados de Tóquio, dois já não competem – a sul-africana Bianca Buitendag, que foi prata feminina, e o australiano Owen Wright, que foi bronze masculino -, e outros dois não conseguiram a qualificação para Paris – a japonesa Amuro Tsuzuki, que foi medalha de prata feminina, e o brasileiro Italo Ferreira, que venceu a medalha de ouro masculina. Apenas o japonês Kanoa Igarashi, que foi prata masculino, e a norte-americana Carissa Moore, que foi campeã olímpica, estiveram presentes em Teahupoo, com Igarashi a cair nos oitavos-de-final e Moore nos quartos-de-final.
De resto, Caroline Marks e Gabriel Medina foram os surfistas que conseguiram repetir a presença nas finais, eles que em Tóquio perderam a disputa pelas medalhas de bronze. Desta vez, ambos conseguiram medalhas, mas foi Marks a subir ao Olimpo do surf, fazendo prevalecer algum favoritismo que tinha do seu lado. Já Gabriel Medina terá de esperar por Los Angeles’2028, caso continue a competir até lá, para juntar o título ao olímpico ao de surfista mais mediático do planeta.
Até às olimpíadas norte-americanas ainda falta perceber qual o palco escolhido pelo Comité organizador, não havendo sequer pistas sobre a decisão. Nos bastidores há quem fale de algumas das mais famosas ondas californianas, como Trestles, que recebe a finalíssima do World Tour, ou Huntington Beach, que é palco do US Open of Surfing, mas, embora tenha todas as condições logísticas para receber uma prova desta dimensão, as ondas deixam sempre a desejar em termos de qualidade.
Depois da opção francesa por Teahupoo, há quem fale na possibilidade de algo idêntico em Los Angeles, com a escolha de Pipeline, no Havai, outra das ondas mais tubulares e perigosas do Mundo. Contudo, o verão não é uma boa altura de ondas no North Shore de Oahu. Por fim, há ainda a opção das piscinas de ondas artificiais, como a de Kelly Slater, por exemplo, que encaixariam na perfeição no formato televisivo dos Jogos Olímpicos, mas que trariam uma prova muito mais mecânica e tirariam toda a imprevisibilidade que o oceano confere ao desfecho final.
Por João Vasco Nunes