Com a frieza e o calculismo próprios de um jogador de xadrez, Helmut Marko promoveu Daniel Ricciardo da Toro Rosso à Red Bull,sem esconder que o objectivo era garantir que Sebastian Vettel continuaria sem concorrência à altura em 2014.
"O que interessa é que Ricciardo consiga os pontos suficientes para no final a equipa ganhar o título de Construtores", esclareceu o austríaco, piloto mediano, advogado e, desde há oito anos, conselheiro do compatriota Dietrich Mateschitz, multimilionário que detém a marca de bebidas energéticas que dá nome à escuderia de F1.
Será certamente com o mesmo desassombro que Marko explicará a escolha de Daniil Kvyat em detrimento de António Félix da Costa, anunciada ontem, entre a surpresa dos seguidores e (alguns) especialistas, a resistência do piloto português e o encolher de ombros dos que sempre apostaram que o dinheiro compraria a vaga de Ricciardo.
Marko, que após perder o olho esquerdo num acidente no GP de França de 1972, se dedicou a gerir a carreira de pilotos como Gerhard Berger e criou a RSM Marko, uma equipa de F3 e F3000 que competiu sob o nome de Red Bull Junior Team, assumiu o controlo do programa de jovens pilotos da Red Bull em 1999.
Daqui surgiram Juan Pablo Montoya e, mais tarde, Vettel, mas o austríaco não parou e, sempre a trabalhar na sombra, tornou-se conselheiro de Mateschitz em 2005, quando o milionário comprou a Jaguar Racing - e depois a Toro Rosso, antiga Minardi.
O protegido Vettel não demorou a ganhar um lugar na escuderia, depois do veterano David Coulthard ter desbravado terreno. O escocês retirou-se e entrou o alemão em 2009, com o australiano Mark Webber a compor o alinhamento. E os problemas começaram.
As disputas entre os dois pilotos foram muitas vezes além do que é razoável e, embora ambos tenham culpas no cartório, nunca se ouviu Marko fazer um reparo a Vettel.
Foi assim quando os pilotos disputavam a liderança no GP da Turquia de 2010 e tiveram um acidente, e já esta temporada, na Malásia, quando Vettel não respeitou a ordem para não ultrapassar Webber, que estava na frente da corrida.
Até que o australiano se fartou e anunciou que abandonará a F1 no final da temporada. Promovido Ricciardo, o "paddock" ficou em suspenso, à espera do anúncio do substituto do australiano na Toro Rosso.
Félix da Costa deu a entender várias vezes que o lugar estaria assegurado, embalado por elogios e alegadas garantias do próprio Marko. Mas não podia ter falhado na temporada 2013 da World Series by Renault, embora as culpas do terceiro lugar final - atrás de dois protegidos da McLaren, Kevin Magnussen e Stoffel Vandoorne -, tenha de ser dividida com erros da equipa na abordagem à afinação do Dallara-Zytek.
O que importa é que o austríaco de 70 anos viu ali a saída para sacudir a pressão de "ter" de anunciar o português. Mas primeiro, no início de setembro, deixou um aviso.
"Costa impressionou-me no ano passado, na estreia na World Series, vencendo de caras, mas este ano não está a ir tão bem. Vamos ver, não temos pressa. Terá de ser alguém não apenas com potencial para se tornar piloto de F1, mas, essencialmente, lutar pelas vitórias e títulos", afirmou Marko, em entrevista ao jornal brasileiro "Estado de São Paulo", com o piloto português poucos dias depois, a admitir ao site da "Italiaracing":
"Sei que o Helmut Marko e o Franz Tost [chefe da Toro Rosso] gostavam muito de me pôr naquele carro, mas também sei que tenho de merecer o lugar e este ano ainda não fiz o suficiente. Estou consciente da sorte que tenho porque estou um passo à frente do Carlos Sainz e do Daniil Kyvat. Cabe-me não perder esta oportunidade."
Já com o dinheiro do russo Kvyat, piloto menos experiente do que Félix da Costa, a falar-lhe ao ouvido, Marko não hesitou, tomando mais uma decisão fria e calculista.
E voltará a atuar da mesma forma se Kvyat não se mostrar a altura do desafio. Mas nada deverá acontecer até outubro de 2014, mês em que terá lugar o GP... da Rússia.