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Quem é que tem coragem de abdicar do voto eletrónico nas eleições para os órgãos sociais do Sport Lisboa e Benfica?
Um sócio dirige-se à assembleia geral eletiva, munido do seu cartão de sócio, documento que consolida múltiplas informações pessoais (idade, género, nome completo, profissão, nacionalidade, domicílio). Após validar a titularidade do cartão de que é portador, o sócio é admitido no espaço reservado ao exercício do direito de voto. Insere o cartão de sócio num terminal com um visor e seleciona a sua candidatura. O aspeto gráfico da solução informática de suporte é amigável, a participação concretiza-se em segundos. Os dados gerados pelo voto são processados e ficam disponíveis imediatamente para o apuramento dos resultados. O procedimento instituído permite gerir um fluxo intenso de sócios em determinadas horas, evitando longas filas e horas de espera. Após o encerramento dos terminais de voto, os resultados são disponibilizados num período muito reduzido. O relatório é disponibilizado à mesa da assembleia geral que os valida, a posse dos sócios eleitos é imediata. Tudo se passa em 12 horas.
As vantagens proclamadas para este sistema eleitoral são evidentes: simplificação, voto à distância, rapidez e certificação computorizada da contagem.
E as garantias para os sócios – e para o próprio Clube – de um processo transparente, credível e seguro?
Aquando da introdução do voto eletrónico nas eleições do Sport Lisboa em Benfica, em Outubro de 2006, a Comissão Nacional de Eleições (CNE) acompanhou o processo, tendo sido difundido por uma dos seus responsáveis – Fernando Prata – que os sócios residentes nas ilhas e no estrangeiro seriam munidos de um código (PIN), distribuído pelo clube, e votariam via Internet, com uma relativa segurança de que seriam os legítimos utilizadores a exercer o direito. Acrescentava este técnico que "está tudo codificado, encriptado, com algoritmos seguros". A CNE seria a fiel depositária da chave que permitiria desencriptar o sistema. O objetivo da CNE seria testar um procedimento que seria utilizado a nível nacional em eleições para órgãos de soberania e autarquias locais.
Assim foi em 2006 e deixou de ser. Nunca mais as eleições do Sport Lisboa e Benfica foram certificadas por uma entidade independente. A CNE declinou outras solicitações, alegando, e bem, que as suas atribuições não passam por prestar serviços a entidades de direito privado e que a experiência de 2006 tinha esgotado a oportunidade da sua intervenção, baseada numa colaboração pontual.
Particularmente, nas eleições de outubro de 2012, o Sport Lisboa e Benfica ou a recandidatura de Luis Filipe Vieira (não foi possível distinguir), não aceitaram a fiscalização do ato eleitoral por uma entidade independente alegando que a solução informática de suporte era proprietária do clube e os seus algoritmos e código fonte não seriam partilháveis com ninguém.
É esta indefinição em redor do funcionamento do voto eletrónico institucionalizado no Sport Lisboa e Benfica que pode explicar, pelo menos, duas objetivas constatações:
– Não têm existido muitas candidaturas concorrentes (com exceção deste ano de 2020);
– Os resultados eleitorais em eleições disputadas por mais do que uma candidatura apresentam-se invariavelmente desnivelados (mesmo nos ciclos eleitorais de más prestações desportivas da Direção que se recandidata);
A ideia que se difunde, a partir do funcionamento do sistema eleitoral do Sport Lisboa e Benfica, é que existe uma 'maioria silenciosa' de sócios fiéis à palavra de Luis Filipe Vieira que no momento do voto escolhe a via do reconhecimento da obra feita.
Esta ideia começa, uns meses antes, a ser gerada pelos meios de comunicação afetos às recandidaturas de Luis Filipe Vieira e o resultado eleitoral acaba por confirmá-la. Tudo decorre, afinal, com naturalidade.
Mas será assim tão natural? Não, não é. Num sistema eleitoral baseado no processamento de dados por parte de estruturas que são dirigidas por quem se recandidata, não havendo possibilidade de auditar os termos desse processamento, nada pode ser natural, tudo é condicionado ou condicionável.
Comecemos pelas garantias. Que garantias tem um sócio que o seu sentido de voto permanece incógnito, como deve permanecer? Que garantias tem esse sócio que a informação sobre o seu voto não fica disponível no seu sistema e que pode ser consultada ou utilizada para os mais diversos fins?
Estas interrogações só se agravam quando consideramos que o universo Benfica agrega um conjunto de sócios votantes que cumulam essa condição com a de trabalhadores subordinados, trabalhadores independentes/dependentes, fornecedores e outros, difusamente, interessados na gestão orçamental da despesa do Clube e da sua SAD do futebol. As inquietações agravam-se pelo facto de o atual cartão de sócio não ter uma fotografia do titular associada. Em abstrato, perante uma menor diligência dos serviços, das secções de voto do Estádio da Luz ou das "Casas do Benfica", um portador de vários cartões pode votar várias vezes!
Assim, neste contexto, o que é que todos questionemos se existe liberdade para exercer o direito de voto.
Compete-nos questionar se as dúvidas existentes e partilhadas por quem não as pode publicitar são fundadas.
Serão por princípio, o que já seria suficiente para apelar a um consenso para a mudança.
Mas serão, sobretudo, pela ausência de uma auditoria preventiva ao processo eleitoral, tendente a salvaguardar o anonimato e autenticidade dos votantes e a impossibilidade de processar dados contra a sua vontade.
Esta seria uma recomendação a subscrever por qualquer candidato realmente preocupado com a sua função de acrescer algo em prol do Clube.
Mas talvez não seja suficiente. O que revela o funcionamento do voto eletrónico, em experiências-piloto a nível nacional, é que as instituições ficam dependentes de contratações em regime de outsourcing a empresas de um núcleo restrito com potenciais conflitos de interesses.
Ora, estes inconvenientes não existem numa eleição suportada em voto presencial, exercido em boletim de papel. O voto à distância não fica prejudicado desde que se organizem seções de voto descentralizadas, com garantias de acompanhamento pelas diversas candidaturas.
O que o voto em suporte de papel oferece são garantias que o sistema eletrónico não confere. O voto convencional é auditável, não permite que os responsáveis se escondam atrás de um sistema que não funciona, ou funciona de determinada maneira por conveniência de quem tem o controlo do ato eleitoral.
Paranóias de candidatos? Nada disso, Portugal continua a utilizar o voto convencional apesar de várias experiências de voto eletrónico. França e Holanda determinaram o regresso ao papel devido a riscos de interferência e manipulação.
O que todas as candidaturas têm de fazer é defender com coragem o Benfica e denunciar que este sistema eleitoral não respeita o Clube e os seus princípios, sem prévia certificação não respeita a Lei n.º 59/2019 de 8 de agosto (na parte relativa ao tratamento de dados pessoais dos sócios votantes) e não respeita a democracia plural como garante da salvaguarda da dignidade individual de cada sócio.
João Pinheiro, candidato à presidência da Mesa da Assembleia Geral, pelo movimento 'Servir o Benfica'