Luís Alves Monteiro
Mais uma vez volto ao tema e não por teimosia, mas por urgência. Continuo a ver os mesmos dirigentes, ou as novas caras mas já com velhos hábitos, empenhados numa ação concertada para colocar mais dinheiro em cima do problema, sem nunca explicar o que pretendem alcançar com esse dinheiro. Nos últimos tempos, esse esforço tem sido liderado pela Confederação do Desporto de Portugal e pelo seu presidente, com federações alinhadas no mesmo registo: pedir mais meios ao Estado sem apresentar um verdadeiro plano que justifique o investimento. É uma frente comum na forma, mas vazia no conteúdo. Nenhuma reflexão estratégica, nenhuma métrica de impacto, nenhuma ambição que vá além do reforço orçamental. Um coro bem ensaiado a dizer o mesmo de sempre “precisamos de mais” mas sem uma ideia concreta de para quê.
É o mesmo padrão, a mesma retórica, o mesmo vazio. Mais um SNS do Desporto: um sistema público que absorve recursos, multiplica estruturas e sobrevive entre orçamentos, esperando pela próxima legislatura para pedir outra vez. Só assim de repente, podemos listar entidades que duplicam recursos e iniciativas a Confederação do Desporto, a Fundação do Desporto, o Comité Olímpico de Portugal, o Comité Paralímpico, as federações de utilidade pública, o IPDJ a FADU entre inúmeras Associações e ainda os famosos observatórios.
O desporto português sofre de um défice crónico de auto-respeito e de método. Décadas passam, governos mudam, e o ritual mantém-se: dirigentes a pedir mais, ministros a prometer o possível e, no fim, todos a lamentar-se de que o Estado dá migalhas. E dá mesmo. Mas a questão essencial continua por responder: o que é que o desporto faz para merecer mais do que migalhas?
A verdade é dura, mas incontornável: o desporto nacional continua preso à lógica da mão estendida, não da mão que constrói. Criou-se até uma espécie de jurisprudência na arte de pedir, exige-se mais ao Estado sem reformar o sistema que o desperdiça. Mas o desporto português não precisa de palmadinhas nas costas. Precisa de respeito. E o respeito, como se sabe, não se mendiga, conquista-se.
Medidas óbvias continuam por concretizar: redistribuir parte do imposto do jogo online, aplicar IVA reduzido de 6% aos bilhetes desportivos ou estimular o mecenato privado.
Tudo certo. Mas nada disto é um plano. São paliativos num sistema que se tornou estruturalmente ineficiente. Enquanto não houver metas, indicadores e responsabilização, qualquer aumento orçamental será apenas combustível para a mesma máquina que não sai do lugar.
Do lado político, o cenário não é melhor. O desporto continua a ser visto como um luxo simpático, um adereço social que só ganha importância quando alguém traz uma medalha. Depois, regressa o silêncio. E nesse silêncio, a ladainha: “precisamos de mais meios”.
O problema já não está apenas em quem decide está também em quem pede. Como escrevi no artigo anterior publicado AQUI no Jornal Record, O desporto português ainda não aprendeu a falar a língua de quem segura a caneta do orçamento: planeamento, metas, retorno social e económico, sustentabilidade. Em vez de apresentar projetos com impacto, apresenta listas de necessidades. Em vez de indicadores de sucesso, apresenta queixas.
Nos países que levaram o desporto a sério Reino Unido, Austrália, Noruega, Canadá, o investimento público não cresceu por generosidade, mas por método. Criaram-se planos plurianuais, metas mensuráveis, governação profissional e cultura de accountability. O resultado? Medalhas, sim mas também sistemas sólidos, que geram valor económico, reduzem custos na saúde e fortalecem o tecido social.
Em Portugal, o desporto continua a confundir financiamento com favor e investimento com subsídio. Enquanto não se afirmar como causa estratégica nacional, com um plano a dez anos, metas claras e resultados tangíveis continuará a viver de migalhas com cerimónia: palmadinhas, selfies ministeriais e promessas recicladas.
A tutela recentemente tornou o exercício de um plano estratégico, mandatório para as federações, numa iniciativa de louvar. Um começo. Mas ainda tudo muito incipiente: planos mal apresentados, falta de alinhamento nos procedimentos e, sobretudo, um medo terrível de fazer escolhas. Num país pequeno e com recursos limitados é preciso apostar nas modalidades que estejam identificadas com o significado da palavra SUCESSO, o que implica necessariamente deixar alguns de fora. Mas o corporativismo do desporto não deixa: quem se insurge é afastado, quem propõe reformas é visto como ameaça. E continuamos a produzir muito “poucochinho”: quatro medalhas olímpicas nos recentes JO de Paris, e um sistema que se consola com o quase.
Sou, por natureza e convicção, apologista de que um problema é uma oportunidade. Foi assim que pautei a minha vida profissional apontar soluções, decidir e fazer.
Eis, pois, cinco caminhos para mudar o paradigma, não é obviamente uma receita milagrosa, mas pode ajudar no caminho :
1. Plano Nacional de Retenção e Desenvolvimento Desportivo (10 anos) Combater o abandono juvenil (drop-off) com programas escolares, clubes abertos e metas de retenção. Financiamento condicionado a resultados e boas práticas.
2. Governação profissional e reporting público — Todas as federações e associações com planos estratégicos auditados e indicadores de desempenho transparentes. A transparência e métricas claras, devem ser critério obrigatório de financiamento.
3. Fiscalidade amiga, mas com contrapartidas — Incentivos fiscais atrelados a objetivos de participação e inclusão. Mecenato com retorno social comprovado.
4. Ligação escola–clube–autarquia — Criar uma rede coordenada de prática desportiva, partilhando infraestruturas e técnicos, e mapeando o desenvolvimento dos atletas.
5. Economia do Desporto — Ver o desporto não como despesa, mas como indústria leve de saúde e coesão social, com retorno mensurável no PIB, na produtividade das Empresas e na saúde pública. A intervenção da sociedade civil e dos atletas é essencial para furar a bolha dos protagonistas de sempre.
Chegou a hora de mudar o verbo: deixar de pedir e começar a convencer. Trocar a mão estendida por uma visão estendida sobre o futuro. O verdadeiro investimento começa quando o desporto português deixa de ser um apelo emocional e passa a ser uma estratégia nacional. Não é só de dinheiro que o desporto precisa (temos que perceber onde anda o dinheiro injectado no Desporto, que não é tão pouco assim, e qual o nível de desperdício). O que precisamos mesmo é de propósito.