Quando escolhemos uma maratona, temos de saber aquilo ao que vamos. E este é um ponto fundamental para falar desta Maratona de Abu Dhabi. Se é para correr um tempo rápido e juntar uma viagem a um sítio exótico, é mais do que acertada. Se for para viver uma mega experiência, com imenso apoio e um percurso turístico, é melhor procurar noutro lado. Porque aqui o ambiente não é nada do outro mundo e, na verdade, passamos provavelmente mais de 80% do percurso entregues a nós mesmos, no meio de uma enorme via rápida com espaço para milhares e milhares de atletas.
Não éramos assim tantos. Seríamos talvez pouco mais de 3 mil. Mas isso não impediu que tivesse ali uma experiência até bastante interessante. Mesmo que, curiosamente, tenha levado a maior 'marretada' de que tenho memória. Porque foi mesmo uma daquelas bem violentas. Que provavelmente num outro contexto seria capaz de fazer detestar a prova em questão. Não foi o caso, porque, lá está, a expectativa era apenas e só esta: tentar um tempo rápido - no caso um recorde pessoal.
O tempo era ambicioso: 2:54:59. Uma marca que já tinha tentado em Sevilha e da qual tinha ficado algo longe (na altura fiz 2:59:25). Se aqui tivesse feito esse tempo já seria um bom dia no escritório, mas o resultado foi muito bem diferente. A prova era perfeita para isso. Totalmente plana (tem somente duas pequenas subidas), sem qualquer margem para atropelamentos do pelotão - era sempre corrida com espaço para uns 10 lado a lado - e com uma organização de grandíssimo nível em termos logísticos. Neste aspeto, naquilo que é controlável, Abu Dhabi tem tudo. Depois há o outro aspeto, o do calor, que num dia mau pode destruir tempos rápidos e objetivos de quem está muito bem preparado. Mas até nisso tivemos sorte, porque apesar de termos começado com 18ºC, os termómetros não passaram dos 21ºC. E com uma pequenina brisa. Não estava perfeito, mas estava bom para correr.
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Isto para uma prova que tem ainda um aspeto peculiar: arranca ainda de noite, às 6 da manhã, como podem ver na foto acima. O sol apenas nasce uma hora depois, pelo que os primeiros quilómetros são feitos assim na escuridão (salvo seja, porque a cidade estava muito bem iluminada com as decorações natalícias). E isso dá-nos um momento sempre agradável de se ter, pois vemos o sol nascer à nossa direita (dependendo do ritmo...) enquanto percorremos as longas avenidas da prova.
Quando digo "longas", são mesmo longas. Em 42 quilómetros de prova, temos 20 curvas - 6 delas em 3 quilómetros. O resto é sempre a abrir. Sempre a direito. A reta mais longa vai dos 6 aos 17 quilómetros e temos ainda uma outra com uma ligeirinha curva a meio, que vai dos 23 aos 34. Um paraíso para se correr rápido, acreditem!
Mas, bem, vamos lá voltar atrás, e começar do início, falando dos momentos prévios à prova. A expo da prova é localizada junto à zona de partida/meta, ao lado da ADNOC Tower, a petrolífera que patrocina a prova. É localizada junto da Corniche, num dos 'cantos' do emirado, o que faz com que seja de fácil acesso. Lá chegados, temos à nossa espera uma pequena feira, com um espaço aberto muito bem organizado, com várias marcas representadas e alguns pontos de atividade para brincarmos se tivermos tempo. Não foi bem o nosso caso, que chegámos lá às 21:40 de quinta-feira, 20 minutos antes de fechar. Apesar da hora tardia, o processo foi muito fluído e mal esperámos para recolher o dorsal e a t-shirt. Nada mais do que isto, já agora. Sim, fraquinho, mas isto é cada mais regra nas provas lá por fora.
O grande dia
Depois de um dia de descanso (que no caso foi a trabalhar), chegou o sábado, o dia da maratona. Por aqui é assim, as principais provas correm-se ao sábado - tal como nos aconteceu quando fomos a Ras Al Khaimah correr a meia maratona. Seis da manhã, como dissemos. Antes do arranque, apenas temos a apontar alguma falta de casas de banho para acomodar o número de corredores que estavam alinhados para correr. Já a entrada nas caixas de partida estava bem sinalizada e não verifiquei qualquer problema neste particular.
Eram 6:02 quando o tiro de partida foi dado. Como partimos na parte da frente, rapidamente entrámos no nosso ritmo desejado e lá seguimos. Bem, não. Não foi bem no ritmo desejado. Porque, no meio do entusiasmo, acabámos por partir um pouquinho mais rápido do desejado. Ao contrário dos 4'10/km que tínhamos em mente, os primeiros quilómetros foram feitos de forma relativamente fácil a 4'05/km. A forma física estava cá, mas também estávamos a jogar com um Ferrari nos pés. Levávamos as adidas Adizero Adios Pro Evo 1 , as super sapatilhas da marca alemã, as tais de 500 euros. São mesmo isso, um Ferrari!
Com elas nos pés, os primeiros quilómetros, mesmo que com um natural esforço de quem ia a estes ritmos, pareciam passar a voar. Ia fácil. Passo aos 5 quilómetros em 20:20. Aos 10 em 40:48. Neste momento olho para o relógio e começo a fazer algumas contas de cabeça. "Ora, 40:50... isto vai dar... em torno de 2:53". Mas o que devia ter pensado era "isto vai dar merda!" Porque foi isso que aconteceu.
Um (raro) grupo para seguir
Encontrar um grupo para um determinado ritmo (especialmente os rápidos) é complicado numa prova com este pelotão reduzido. Mesmo assim, praticamente desde o começo consegui encaixar num quinteto que ia certinho a 4'05/km. Isso também me fez continuar a ir um pouco mais rápido do que queria. Na altura pensei que seria melhor ficar ali e ir protegendo de alguma forma, mas olhando agora para trás teria sido muito prudente reduzir aos 10 quilómetros e ficar sozinho e fazer uma prova por mim. Não foi isso que aconteceu até aos 15 quilómetros, onde passei em 1:01:17. Sempre certinho nos 4'05/km.
Nesse ponto, comecei a sentir que o tal grupo me ia a fugir. E instintivamente decidi deixá-lo ir e ficar à distância. Só que ao invés de ir deixando lentamente fugir-me, procurei manter a distância. Na prática, tinha reduzido um quilómetro e depois voltei a rodar ao ritmo deles... mesmo que longe! Um erro, eu sei. Que iria ser retificado pouco depois, quando o mal já estava feito.
Passagem pela Mesquita, um dos pontos mais altos da prova
O percurso da Maratona de Abu Dhabi não tem grandes pontos de interesse, mas há um que consegue dar um brilho total à prova. Algures pelos 17, entrámos na zona da Grande Mesquita do Xeique Zayed, a maior do país, e observamos à nossa esquerda aquela construção imponente. Aí, enquanto a contornámos, vamos contemplando o espaço e a sua magnificência do lado de fora, antes de sermos surpreendidos por algo inesperado. Aos 19k, virámos à esquerda e entrámos no complexo da própria Mesquista! Um momento curto, mas totalmente inesperado e muitíssimo valioso do ponto de vista da experiência.
Nesta altura, confesso, já precisava mesmo de encontrar uma força superior. Aquele ritmo elevado do início, mesmo levando as Adizero Adios Pro Evo 1 nos pés, estava a começar a passar fatura. Mesmo assim, ainda que reduzindo o ritmo, fazendo caretas e ficando sozinho, passei à meia maratona em 1:26:12. Sim, para quem queria 2:54:59... ia com um bocadinho de pressa a mais (a projeção aqui era de 2:52:24). E logo depois veio a fatura definitiva.
Dos 26 aos 28 reduzi o ritmo e procurei aguentar-me nos 4'20/km. Ainda tinha imensa margem, mas numa maratona é muito fácil deitar tudo a perder. Faltavam 14 quilómetros apenas, mas o que se seguiu foi tão difícil quanto o que já tinha feito até então. Encaminhado para a zona da Corniche, em avenidas sempre larguíssimas, mas já com o trânsito do outro lado e o sol a começar a subir (sem aquecer demasiado), aos 29k vou aos 4'25, aos 30k aos 4'26 e aos 31k aos 4'39/km. Aqui a mente começou a pensar "vais a 4'40/km" e ainda é capaz de dar o Sub-3. Mas e aguentar esse ritmo?
Dali em diante, foi uma caminhada bem penosa até ao ponto de meta. Caminhei umas 8 vezes. Fiz quilómetros acima de 6'00 e um a 7'00. Doeu! Lá isso doeu. No corpo e no ego! Quando faço uma série de curvas e contracurvas que me levariam à Corniche, já só desejava a meta, mas ainda faltavam 5 quilómetros. Que pareciam uns 20 ou mais! Aquela reta final, num outro dia, teria sido gloriosa. O mar ali ao lado, uma zona belíssima da cidade, agora com muita gente a passear e a apoiar. Neste dia não foi assim. Conforme nos vamos aproximando da meta, o apoio aumenta. Naquele momento já tinha arrancado a prova dos 5 quilómetros (que era mais uma caminhada), pelo que tínhamos imensa gente a invadir a estrada e a apoiar de forma entusiasta quem já vinha com mais de quatro dezenas de quilómetros nas pernas.
Neste ponto preciso de dizer algo que devia ter sido dito há mais tempo, mas que se não foi dito foi porque não falhou. A hidratação. Mesmo não tendo sido um dia quente, em Abu Dhabi está normalmente um clima húmido e este dia não foi exceção. E isso torna essencial uma boa hidratação, algo que a organização garantiu com uma corretíssima distribuição das mesas (perdi a conta quantas eram, mas foram mais do que suficientes!), com um comprimento adequado. Numa prova deste tipo, este aspeto falhar era logo nota negativa, mas aqui foi definitivamente incrível.
E foi assim que, literalmente a arrastar-me, cheguei ao final dos 42 quilómetros e 195 metros desta maratona. O tempo já ia bem longe do desejado 2:54:59. Na verdade, lembro-me de ter passado no tapete dos 40 quilómetros nas 3:00:00 exatas. Dali até final precisei de mais 14 minutos e 11 segundos. Uma eternidade. Mas o necessário para acabar bem a maratona e ir buscar a 48.ª medalha desta empreitada. Foi um dia duro, mas recompensador, definitivamente.
No fundo, este relato longo - gabo-vos a paciência se o leram até aqui - serve para garantir que valeu a pena ir a Abu Dhabi correr a maratona. Mesmo que o resultado não tenha sido o desejado. Desde que tenham o chip ligado para correr rápido e estejam preparados para passar muito tempo sem apoio. Ah! E um dado importante, que falei ao de leve há pouco: o evento tem várias distâncias (2.5k, 5k, 10k e ainda maratona por estafetas), pelo que é possível fazer um programa familiar ou de amigos para aproveitar e depois passar umas férias bem mais quentinhas do que aquilo que enfrentaríamos em Portugal nesta altura do ano.
NOTAS FINAIS
Percurso: 8/10
Incrivelmente rápido. Será provavelmente a maratona mais plana que tivemos chance de correr. É feita sempre em estradas muito largas e totalmente planas - conta apenas com 2 pequenas subidas e em pontos não muito tardios na prova. Do ponto de vista do interesse do percurso, o único ponto de relevo é a passagem pelo interior da Mesquita e também a zona da Corniche.
Logística: 9/10
Impecável! A partida dá-se junto à Corniche, num local de acesso fácil. Tudo está bem organizado e de fácil utilização. Talvez faltem apenas mais casas de banho e esse é um ponto a rever. Na prova os abastecimentos são muito bons. Muita água, acima de tudo! Os voluntários trabalharam muito bem e conseguiram também animar os atletas, o que se agradece. Em relação à expo da prova, o levantamento do kit de participação é muito rápido e bem organizado. A falta de ofertas no mesmo... já é regra.
Ambiente: 6/10
Excetuando a parte final, dos 30k em diante, a prova é feita em zonas de autoestrada, o que naturalmente impede o apoio popular. Aí valem os voluntários, que foram incansáveis no apoio enquanto nos iam dando as bem necessárias águas para mantermos o corpo devidamente refrigerado. O final, tendo ao lado esquerdo a prova dos 5k e 2.5k - e a praia do lado direito -, conta com muito apoio e entusiasmo.
Medalha e t-shirt: 7/10
A medalha leva uma nota muito elevada. O design está bem conseguido e o relevo com o mapa de Abu Dhabi e do percurso está excelente. Quanto à t-shirt... Mas a Nike não sabe fazer coisas decentes? Uma desilusão!
Dado extra
O clima. Dezembro é tipicamente um mês de tempo menos quente. Mesmo assim, apanhámos 18 graus (às 6 da manhã - ainda de noite), ainda que o máximo tenham sido 21. O problema aqui é a humidade, que por vezes pode ser um grande inimigo. Por isso, é essencial hidratar bem e, se possível, ingerir cápsulas de sal.
Data em 2025: 13/12.
Preços (em 2024)
Maratona - 370 AED (95€)
Maratona em estafetas - 580 AED (152€)
10 km - 160 AED (42€)
5 km - 80 AED (21€)
2,5 km - 55 AED (14.5€)
Como chegar
Há voos diretos de Lisboa para Abu Dhabi de forma diária pela Etihad Airways, que ligam as duas cidades em pouco mais de 8 horas. Do Porto é preciso fazer escalas, mas indo por Istambul pela Turkish Airlines a viagem leva umas 10 horas.
Onde ficar
O ideal seria ficar na zona da Corniche. Mas ficando num hotel noutro ponto é muito fácil chegar à partida... de Uber.