Qualificação
Corri a maratona de Boston.
Eu comecei a correr em Outubro de 2021, propus-me a correr a minha primeira maratona, o que aconteceu em Paris em 2023. E assim como quem não quer a coisa. Pfff. Fiz um Boston Qualifier – BQ. Mas que raio é um Boston Qualifier?
Quando me comecei a preparar para correr Paris, os meus amigos chegados começaram a fazer-me crer que seria possível, na minha primeira maratona, qualificar-me para correr Boston. E aquela conversa soava-me a chinês. Por que raio quereria eu ir correr a Boston? Com tanta cidade mais à mão aqui na Europa! Que sacrilégio de pergunta, Filipa.
Boston é a maratona popular mais antiga do mundo, 128 edições. Cheia de História e de histórias. A primeira a ser corrida por uma mulher – oficial e não oficialmente. A capital mundial da maratona popular, onde a cidade se veste de amarelo e azul para viver a corrida com os maratonistas (yes! Eu sou maratonista!). Google it! Mas maratonista em Boston não é qualquer um. Este pináculo da maratona popular só tem uma forma de ser alcançado (salvo muito raras excepções!), através do mérito. O tal Boston Qualifier – não é possível aceder à maratona se não formos rápidos o suficiente - é estabelecido um tempo mínimo à maratona por género e idade que tem de ser alcançado. E caraças, isso não chega! Por haver tanta gente a querer participar nesta maratona, o tempo de qualificação não basta e o corte é elevado. Com a minha primeira maratona fiquei 12 minutos além do tempo de qualificação e sobrevivi aos 5 minutos e 30 segundos de corte que excluíram 11 mil pessoas da 128.ª edição da maratona de Boston.
E assim, meus amigos, cheguei a Boston.
Qualifiquei-me, inscrevi-me, fui aceite. Organizei-me com amigos, conhecidos e amigos-to-be, e começou a aventura. O clássico – a maratona começa muito antes do tiro de partida.
Chegámos a Boston
A coisa já começou torta, a viagem para Boston foi tramada. Com a corrida planeada para segunda-feira, chegados sábado ao aeroporto de Lisboa, fomos vendo nosso vôo ser adiado de hora a hora até acabar por ser cancelado. Tínhamos previsto chegar a Boston pelas 3 da tarde, chegamos mais perto das 9, com cansaço acumulado, jet lag e a tarefa de chegar a casa e de nos alimentarmos. O nosso descanso previsto para domingo, foi substituído pela tarefa de levantar o dorsal e toda a excitação de estar em Boston para O evento.
É que é O evento mesmo. Eu sou apaixonada pela corrida, deixei o meu coração ser levado por este amor ódio de superar a dor e chegar mais longe mais rápido, mas ali, tão longe, esta minha admiração pela corrida é partilhada não só pelos corredores, mas pela cidade. O aeroporto dá-nos as boas-vindas, os cafés, restaurantes, supermercados, em todo o lado palavras de apoio e admiração.
Há cerca de dois meses corri a maratona de Sevilha. Não foi uma decisão ajuizada. Deixei-me levar pelo hype e inscrevi-me por impulso, o que resultou em ter de correr duas maratonas com o espaço de intervalo de dois meses. Não pude recuperar muito da primeira, precisei de continuar a preparação da seguinte, mas também não podia exagerar na preparação da segunda porque corria o (sério) risco de me lesionar (na verdade, tive algumas ameaças! Correu tudo bem!). Na maratona de Sevilha aprendi uma lição – não comer suficientemente bem nos dias anteriores paga-se quando se acaba o fuel aos 30km. Por isso, lição aprendida, nos dois dias antes da maratona de Boston alimentei-me muito bem – comi de 3 em 3 horas, aumentei os carbohidratos, aumentei a hidratação. Tudo impecável.
Chegou o dia
De repente, mais de um ano depois da minha qualificação. Chegou o dia 15 de Abril, Patriots’ Day, feriado nos Estados Unidos. O dia da maratona de Boston.
Acordei fresca e fofa de madrugada – obrigada, jet lag! Alimentei-me, hidratei-me, entrancei o cabelo. E lá fomos nós, os fantásticos 5 começar a aventura. Chegados a Boston (de notar que estavámos alojados na periferia!), o plano é ir até à partida deixar os nossos tarecos no bengaleiro, que era, nada mais, nada menos que… um clássico school bus americano. O ambiente naquelas ruas transversais à Boylston Street (a rua da chegada) era absolutamente incrível, os corredores desfilavam com a roupa para descartar (apesar de, infelizmente, não se terem cumprido, afinal, temperaturas mais baixas!), nos seus pijamas e robes e fatos de treino rotos e manchados (como era o meu caso!).
Entre o nosso grupo de portugueses, eu e mais 4 amigos, distribuímo-nos pelas nossas vagas de partida. Três na primeira e dois (eu incluída) na segunda. Numa cidade histérica, com voluntários orgulhosos do dia e do evento, subimos ao nosso autocarro escolar (daqueles amarelos à filme americano!) para chegarmos até Hopkinton. Em particular, o meu autocarro, que Ia numa filinha de muitoooos autocarros (caramba são 30 mil pessoas para transportar!), perdeu-se no caminho e eu já via na minha cabeça as headlines "Corredores de Boston sequestrados por falsos voluntários!". Correu bem. Chegámos a Hopkinton. Mas atenção, não só o desvio por nos termos perdido, mas o percurso do autocarro na auto estrada era tremendamente longo, o percurso durou cerca de uma hora. E eu só pensava "Senhor motorista. Eu vou ter que correr isto tudo de volta? Pode parar aqui! Aqui está bom! Não precisa de ir para mais longe. Na minha terra isto não são 42km!"
A maratona
Tanto tempo, tanta preparação. Uma viagem. E aqui estou eu, finalmente só e entregue ao meu dramatismo (insert som de violino a tocar!), a caminhar sozinha até ao meu corral (e não curral! Leia-se!) da wave 2. O ambiente já era de doidos na imediação da partida, as casas montaram festas nos seus jardins em Hopkinton, puseram as colunas gigantes na rua, trouxeram cadeiras de jardim, malas térmicas com cervejas. Vestiram-se a rigor e começaram a gritar entusiasmados desejos de boa sorte. E acreditem. Precisei de toda a sorte que me desejaram. Cheguei à partida e ouvi o tiro. Começou.
Eu achava que sabia ao que ia. Uma maratona carrossel. Sobe e desce. Na verdade, desce e sobe. Começa com descida. A maratona é downhill, com declive negativo, desce mais do que sobe. Parece fácil. A primeira metade vai descendo, depois começa a subir. Tão simples quanto isto, era o que tinha na cabeça. O que sabia, é que a primeira parte era fácil, a segunda seria difícil com o seu pico na Heartbreak Hill.
Quando comecei a corrida, senti aquela pontada de força que vem quando fazemos tapering, quando nos alimentamos bem e quando temos a adrenalina da partida. Estava solta, rápida. Era ir, sem dificuldade nenhuma, vários kms downhill, pensava "é para ir rápido agora, enquanto as subidas não chegam", em boa verdade nunca senti que ia em red line, senti que ia rápido mas não no limite, aproveitando as descidas poderia facilmente ter puxado mais e ter ido ainda mais rápida. Travei-me mas longe do suficiente. Passei os 5km a 4’23", os 10km a 4’26". Passei a meia maratona a menos de 1:35, numa previsão de menos de 3:10 na maratona. Insane. Nesta primeira metade, o meu pensamento era "aperta agora enquanto podes, que depois acabou-se a papa doce!". Foi maravilhoso, tinha força, fartei-me de ultrapassar gente, senti a força da multidão, a dar gelados, a distribuir cervejas (não para mim, mas estão a ver o ambiente!), donuts! Gritos. Atenção, a primeira parte desce, mas ainda assim tem bastantes subidas. Perfeitamente toleráveis porque são muito bem compensadas com as subidas que antecedem e precedem. Acontece, porém, é que estas subidas contam para a história porque me deram cabo das pernas – descer, subir, descer, subir. Não há quadríceps que aguentem!
Finda a primeira parte, começa o tormento – as subidas. Pessoalmente, estou mais que habituada a correr subidas. Não adoro, mas que remédio. Aqui o tormento é que eram subidas, pequenas hills, umas atrás das outras. Constantemente. Eu já não sabia qual seria a Heartbreak Hill, eram todas heart break, não pelo exagero do declive ou pela extensão (ainda que estes dois parâmetros também não tenham sido nada fáceis aqui e ali), mas pela quantidade.
Estava muito, muito calor. A maratona começou para mim às 10:25, no início do percurso ainda íam havendo algumas sombras pela direita, mas passado pouco tempo acabou-se, e toda a prova foi feita à torreira do sol. Apesar do apoio da multidão, que nos dava mangueiradas, copos de gelo, toalhas encharcadas, o calor era muito intenso e vi muitas pessoas em aperto. Passei por três portugueses e os três me disseram "Muito difícil". Pela altura das subidas com o calor infernal, estava de facto muito difícil. Vi muitas pessoas caminharem, vi pessoas estendidas no chão. Nota que também vi assistência médica imediata todo o tempo ao longo do percurso. Tendas médicas a cada milha e não havia um único corredor caído que eu tivesse visto que estivesse já a ser assistido por outros que não pessoal médico.
Enfim, estava difícil, mas as pessoas a gritarem por nós ajudou. Nunca vi nada assim, milhares de pessoas nas ruas. Milhares. A minha corrida era o evento delas. Eu não brinco quando digo que me olhavam nos olhos, apontavam para mim e gritavam "You! Keep Going! You are Boston Strong". Às tantas não sabia se já tinha passado a Heartbreak Hill ou não. Eram tantas. Até que ela chegou e as pessoas diziam "Não deixes que esta subida te parta o coração!" Não caminhei. Nunca! Continuei, perseverantemente. Continuei, e quando cheguei ao topo, uma faixa enorme "Parabéns. Ultrapassaste a Heartbreak hill" e eu enganei-me porque achei que tinha acabado. Ainda faltavam mais de 10 km. E eu pensei que esses quilómetros seriam de recuperação. Mas não eram. Depois da Heartbreak Hill, veio aquilo para qual a minha mente não estava preparada, a "Haunted Mile!" vim a descobrir mais tarde, a milha seguinte traz mais subidas. E assim seguimos até ao final. Às tantas sentia-me como no mar, se estivesse enrolada pelas ondas a querer desenvencilhar-me, quando finalmente me levanto, outra me derruba. A minha mente vinha derrotada, percebi que as minhas pernas estavam cansadas, de tanta força e afinal o esforço da primeira parte foi um disparate. Quebrei o ritmo mas continuei até à Boylston Street. A meta, na sua multidão parece um estádio de futebol com milhares, mas milhares de pessoas ali que em vez de gritarem aos jogadores da bola nos gritam a nós. Cruzei a meta às 3 horas, 22 minutos e 49 segundos. 23 segundos mais lenta que em Paris. 18 segundos mais rápida que em Sevilha.
Aconteceu, ganhei a medalha. Sou Boston Finisher, sou Boston Strong. Tenho um sentimento agridoce em relação ao resultado. Feliz porque, apesar do sofrimento, me mantive no meu espectro de três vinte e pouco, renovei o BQ, e até corri mais rápido do que em Sevilha. Mas triste porque acho francamente que teria feito bastante melhor caso tivesse feito uma gestão mais racional e metódica. Estou agora muito motivada para o que aí vem. Cinco meses para correr a minha próxima maratona: Berlim, pela fresquinha e em percurso plano.
E no dia seguinte desfilei por Boston com a medalha ao peito "Oh, you ran the marathon! Congratulations!".
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