Maratona de Boston: uma viagem incrível (e dura) ao coração da maratona das maratonas

O relato na primeira pessoa da experiência de correr a mais antiga do mundo

O mundo está cada vez mais repleto de maratonas, há fins de semana em que o que se torna difícil é escolher qual correr, mas nenhuma outra chega aos calcanhares daquilo que é a Maratona de Boston. Desde logo pelo facto de ser a mais antiga do mundo, mas não é apenas isso. Pela envolvência, pela história - que até tem portugueses lá gravados - pela dificuldade para lá chegar, mas também pelo duríssimo percurso que por ali encontramos. Boston é especial. Definitivamente. E isto é dito por quem já correu Nova Iorque, Chicago e Berlim. Não digo que seja a melhor, especialmente em comparação com Nova Iorque, mas é mesmo diferente.

Em 2022 tinha sido a vez do meu companheiro de trabalho Nuno Miguel Ferreira corrê-la. Desta vez fui eu. Não tive as mesmas peripécias, mas acredito que no final tenhámos partilhado a mesma sensação. A sensação de que, depois de Boston, tudo será demasiado pequeno. E saber que a vivemos por mérito próprio, depois de termos conseguido bater os sempre exigentes tempos de qualificação (e o de corte, que no meu caso foi de 5:29 minutos), é ainda mais recompensador.

Quando chegamos à zona da partida, não temos aquela vontade de sermos os primeiros a ir para não apanharmos corredores mais lentos. "Todos os que estão aqui são rápidos, não faz sentido ter pressa". Foi isto que pensei assim que era feita a chamada para a zona de largada. Terei sido um dos últimos. Aqueci com toda a calma do mundo, apertei bem as minhas adidas ADIZERO ADIOS PRO 3 - que muito bem se comportaram neste dia -, fiz as minhas retas, ativei o corpo e, sem pressa alguma, dirigi-me para o local onde iria começar aquela que é, definitivamente, a mãe das maratonas. 128 edições dizem muito sobre isso...

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No papel, Boston tem uma maratona em 'downhill', mas é preciso lá chegarmos para perceber que é mesmo apenas no papel. Pode parecer estranho, mas as descidas, dos 140 metros iniciais até ao nível do mar, com um sobe e desce constante, custaram bem mais do que propriamente as temíveis subidas. Okay, as subidas tiraram ritmo, mas considero que muito da quebra que tive foi precisamente do desgaste acumulado. Os quilómetros em descida, particularmente na primeira meia, deixam os quadríceps destruídos e algum exagero no ritmo nesta fase, e consequente maior desgaste desta parte do corpo, será paga nos quilómetros seguintes. Especialmente dos 26 em diante.

É aí, às 16 milhas, que se separa quem está bem preparado e quem vai sofrer e muito até final. Uma coisa não invalida a outra, é certo, porque todos podemos ter dias menos bons, mas neste ponto grande parte daqueles que sofrem em demasia são os que não se prepararam convenientemente para este desafio. E isso passa (uma lição que levo!) também por treinar descidas. Adaptar o corpo a esse impacto e prepará-lo para isso. Se um dia forem a Boston, levem este ensinamento convosco!

Quando cheguei a esse ponto já tinha passado a parte mais fácil e também vibrado com alguns dos pontos icónicos deste percurso. Começamos em Hopkinton, uma pequena cidade com pouco mais de 15 mil habitantes e vamos galgando quilómetros na direção da capital do estado do Massachusetts. Nesse caminho raros são os momentos em que não temos apoio. As cidades e pequenas vilas pelas quais a prova passa colocam-se junto do percurso e tornam-no num verdadeiro corredor de apoio. São os gritos, são os cartazes motivadores e bem humorados, são as palavras de incentivo e o simples estar lá. Nos Estados Unidos, em Boston, correr uma maratona é uma experiência diferente e especial. Como especial e única é a passagem pelo chamado "Scream Tunnel", localizado aos 20 quilómetros. Ali, ao longo de larguíssimos metros, estudantes do Wellesley College (na sua maioria mulheres) juntam-se e fazem uma festa impressionante, com muitos gritos à mistura e, não raras vezes, até beijos trocados com os corredores (vejam o post e o vídeo abaixo...).

Um gráfico que explica na perfeição o que é esta Maratona de Boston (trackandfieldnews.com)
Um gráfico que explica na perfeição o que é esta Maratona de Boston (trackandfieldnews.com)

E agora a descer?

Quando enfrentamos os últimos metros da subida e olhamos em diante, vemos uma tarja enorme a toda a largura a anunciar que tínhamos superado a Heartbreak Hill. Quase como se a partir dali fosse um passeio no parque. Faltavam 10 quilómetros. Dos 70 metros até ao nível do mar. Devia ser tão fácil... mas as pernas (em especial os quadríceps) nesta fase entram num modo de negação. Se isto fosse uma etapa de ciclismo, era 'peanuts'. Como não é, dali em diante parece que custa mais do que a subir. Aqui, se calhar, entra o jogo de fazer uma meia maratona inicial mais lenta. Mas o entusiasmo é tramado...

Entusiasmo de estar a descer, que naturalmente nos obriga a embalar. Mas também entusiasmo do enorme corredor de gente que vamos encontrando. Nas subidas, aquelas quatro de Newton, ao longo de seis quilómetros, é ele que também nos faz correr em diante. Somos empurrados pelos gritos, pelos incentivos, pelos cartazes. Por tudo. Há algo de diferente ao correr nos Estados Unidos. Vi-o em Nova Iorque, em Chicago e agora aqui. Os americanos podem ser muito malucos e estranhos em tanta coisa, mas nisto da corrida são do melhor que há!

E não tenho dúvidas que foram eles que me deram a força necessária para chegar à icónica Boylston Street abaixo das 3 horas. Algo antes, em torno dos 38 quilómetros, tive de parar e caminhar uns segundos. Terão sido não mais do que 10. Mas teriam sido muitos mais se não tivesse ouvido tanto grito e palavra de incentivo por parte de gente que nunca me viu na vida e provavelmente nunca mais me verá. Senti quase a obrigação de continuar a correr por mais 4 quilómetros. Eram 'só' 4 quilómetros. Doeu. As pernas não queriam, mas tinha de ir.

Quando chego finalmente à Boylston Street, para os últimos 500 metros, foi também por eles que cruzei a meta. Esta gente, estes milhares de pessoas que numa segunda-feira (que era feriado, por ser o Dia dos Patriotas) saíram à rua para apoiar os corredores... Eles sim foram os heróis do dia.

Da minha parte, a sensação era de missão cumprida. Terminei e vivi na sua plenitude a mais antiga e emblemática maratona do mundo. Senti e vibrei com o apoio. Cerrei os dentes e sofri na parte mais dura. E tive de ir bem lá ao fundo das minhas energias para terminá-la. Foi a experiência completa. Boston deu-me isso. Adoraria voltar e repetir isto tudo, mas não o farei tão cedo. Porque, depois de este ano ter visto 11 mil atletas com tempo de qualificação serem rejeitados, acho que faz parte da nossa missão deixar a oportunidade para os outros. Para quem nunca viveu este sonho poder, finalmente, cumpri-lo. Da minha parte, com um novo BQ garantido, não irei em 2025. Mas voltarei um dia.

Antes de fechar, uma nota final a algo que por aqui gosto muito de falar: sapatilhas. Em Boston vi modelos para todos os gostos, sendo que na Wave 1 praticamente todos os corredores iam com sapatilhas com placa de fibra de carbono. Nike Alphafly 3, naquela cor berrante, viam-se aos pontapés! Da minha parte, não fugi a essa regra e fui com umas adidas Adizero Adios Pro 3, um modelo que testei ao longo de algumas semanas de preparação entre Sevilha e Boston. Tirando um pequeno problema no ajuste, que me obrigou a mover ligeiramente a língua para a lateral e que me incomodou no início, diria que a escolha foi perfeita. Não pelo retorno superior que me podiam dar, mas antes pelo plus de controlo e estabilidade que me permitiram ter nos momentos de descida, especialmente no aspeto da sola, que agarra de forma incrível.

Até porque, como os recordes deste tipo de percursos denunciam - em Boston e Nova Iorque (o feminino) ainda são da era pré-placa de carbono -, as sapatilhas com esse recurso não são tão eficientes como nos mais planos. Ainda assim, pelo extra que me deram na descida e até na subida, considero que as Adios Pro 3 talvez sejam mesmo a melhor opção.

NOTAS FINAIS

Percurso: 8/10

Se fosse pela dificuldade do percurso, daria nota 1. É duro! Mais duro do que Nova Iorque, por exemplo. Pelo desafio, pela necessidade de puxar da nossa melhor versão, dou-lhe 10. Pela beleza, por aquilo que vemos em nosso redor, atribuiria uns 6. Mas pelas gentes que encontramos pelo caminho, pelo incrível apoio que quase nos faz estar noutro lugar mágico, obrigam-me a subir a parada e dar uma nota bem positiva...

Logística: 9/10

A Maratona de Boston arranca a 42 quilómetros do centro de Boston e isso obriga a um esforço logístico impressionante para colocar os mais de 25 mil corredores do outro lado. São mobilizados mais de 300 autocarros escolares para fazer o transporte, num incrível trabalho de coordenação, sempre com o imprescindível apoio dos milhares de voluntários mobilizados para o evento. Tudo flui de forma praticamente perfeita e não encontro qualquer motivo de queixa disto e de tudo o resto.

Durante a prova, ainda que talvez pudessem ser algo mais longas, as mesas de hidratação estão em abundância e, mais importante do que isso, surgem-nos dos dois lados, o que dá sempre uma segunda oportunidade de apanhar água quando não conseguirmos à primeira. Tudo isto, uma vez mais, com o impressionante trabalho dos voluntários, que para esta prova fazem uma longa fila de espera para serem escolhidos para esta missão. Estar ali, ajudar os corredores, é quase uma questão de orgulho!

Ambiente: 10/10

Do primeiro ao último quilómetro. É uma loucura absoluta. Os cartazes, os gritos de apoio. Tudo. Boston é mesmo especial!

Medalha e t-shirt: 10/10

Este ano a medalha da prova foi bastante criticada pela forte presença do Bank of America (novo patrocinador). É possível que a dos anos anteriores fosse algo mais bonita, mas aquele unicórnio ali no centro quase nos faz esquecer o grande espaço de destaque que é dado ao naming sponsor da prova. Quanto à camisola, é de manga comprida, da adidas, e tem um tecido de boa qualidade e um design simples mas bastante engraçado.

Preço: 220€

Conseguido o tempo de qualificação e ainda superado o corte de tempo, a inscrição sai a um preço relativamente comum para este tipo de provas internacionais. Pela experiência que se vive, por tudo o que está envolvido, justifica!

Como chegar

De Lisboa e do Porto há voos diretos para Boston de várias companhias, o que permite que os preços nunca sejam muito elevados. O ideal, sendo a prova na segunda-feira, é voar na sexta-feira, de forma a poder 'despachar' a visita à Expo da prova no sábado e ter um domingo mais tranquilo. Do aeroporto para o centro há um autocarro gratuito que nos leva até ao local da própria Expo, o que é bastante conveniente.

Onde ficar

O alojamento em Boston é caro. No fim de semana da maratona é para lá de caro. Quem tiver capacidade financeira para tal, ficar num hotel da cidade é garantia de que estará sempre bastante perto da meta, até porque o metro é bastante eficiente e o percurso a caminhar também não é nada por aí além. Se a carteira for menos recheada, o ideal é ficar nos arredores, sempre tendo em conta as redes de transportes, para estarmos sempre bem ligados a Boston. No nosso caso, ficamos em Braintree, uma cidade bastante pacata a 20 quilómetros de Boston e não ficamos, de todo, desapontados com a escolha. Há outras cidades também muito boas para quem quer poupar: Quincy, Cambridge ou Waltham. Desde que haja transportes ou Uber/Lyft por perto, não será problemático.

Onde e o que comer

Apenas deixo duas recomendações: sandes de lagosta e a Boston Clam Chowder (uma sopa de amêijoas com bacon, batatas, cenouras e outros vegetais). Ah, claro, uma cervejinha (só uma!) não fará mal a ninguém.

Por Fábio Lima
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