Rui Pinto, o hacker português detido esta quarta-feira na Hungria, estava a colaborar com a justiça francesa para investigar indícios de fraude fiscal revelados em dezembro de 2016 pelo Football Leaks, do qual o pirata informático era parte integrante. "Existe uma cooperação ativa entre Rui Pinto e o Parquet National Financier [PNF, departamento do Ministério Público francês especializado em crimes financeiros]", confessou um dos advogados de Rui Pinto, William Bourdon, em entrevista à agência noticiosa France Press (AFP), citada pelo Expresso.
O PNF terá aberto um inquérito-crime em França sobre uma alegada fraude fiscal qualificada no qual estão envolvidas figuras como o ex-presidente francês Nicolas Sarkozy, clubes como o Paris Saint-Germain e o Manchester City e o organismo máximo do futebol na Europa, a UEFA. Estas notícias foram primeiro reveladas através do consórcio EIC (European Investigative Collaborations), com base em documentos confidenciais publicados pelo site Football Leaks.
A mesma colaboração entre o hacker português Rui Pinto e procuradores franceses foi confirmada ao Expresso - e ao EIC do qual o jornal faz parte – e a operação estaria ainda em curso. Ao semanário, o Ministério Público francês não quis comentar o caso.
Na investigação estariam envolvidos jogadores como Angel Di Maria, antigo jogador do Benfica e que foi entretanto ilibado de ter fugido aos impostos quando representava o Real Madrid, Javier Pastore, colega de equipa do argentino no PSG, e Lucho Gonzalez, que recebeu dinheiro do seu patrocinador, a Adidas, através de um offshore no Panamá quando jogava pelo Olympique de Marselha.
Ao EIC, o advogado de Rui Pinto adiantou que o hacker aceitou também um pedido de colaboração enviado por um procurador suíço, Damian K. Graf, escolhido, em novembro de 2018, para investigar entre o atual presidente da FIFA, Gianni Infantino, e um outro magistrado helvético, Rinaldo Arnold.
Nesse mesmo mês, o Football Leaks havia divulgado a "amizade suspeita" entre os dois, com "convites" ao procurador para assistir à final da Liga dos Campeões e informações fornecidas ao líder da FIFA acerca de detalhes da investigação dos Panama Papers sobre a UEFA.
"Encontrei-me com o meu cliente na última terça-feira e ele mandatou-me para aceitar o pedido de colaboração que lhe foi enviado pelo procurador especial suíço responsável pela investigação judicial sobre a relação entre o procurador suíço [Rinaldo Arnold] e o presidente da FIFA Gianni Infantino", esclareceu Bourdon ao EIC, citado pelo Expresso.
No entanto, a colaboração entre Rui Pinto e a justiça de França e Suíça ficou suspensa devido à sua detenção esta quarta-feira em Budapeste, na sequência de um mandado de detenção europeu a pedido de Portugal.
Em nota, a Procuradoria-Geral da República e a Polícia Judiciária adiantaram estarem em causa "factos suscetíveis de integrarem crimes de extorsão qualificada na forma tentada, acesso ilegítimo, ofensa a pessoa coletiva e violação de segredo".
O diretor da Unidade de Combate ao Cibercrime e Criminalidade Tecnológica (UNC3T) da PJ, Carlos Cabreiro, disse ser "prematuro" associar o suspeito a crimes cometidos contra algumas instituições desportivas, como Benfica, FC Porto, Sporting ou Doyen, embora tenha adiantado que o mesmo "é detido por tentativa de extorsão, acesso ilegítimo e exfiltração de dados de algumas instituições, inclusive do próprio Estado". De acordo com Carlos Cabreiro, o hacker pode incorrer numa pena de prisão "até 10 anos", embora "haja várias penas associadas aos vários tipos de crime".
Esta quinta-feira, através de comunicado, os advogados William Bourdon e Francisco Teixeira da Mota dizem que Rui Pinto, de 30 anos, é um amante de futebol "indignado com práticas vigentes neste desporto" e que "decidiu contribuir para o conhecimento público da extensão dessas práticas criminosas".
"O Sr. Rui Pedro Gonçalves Pinto tornou-se num importante denunciante europeu no âmbito dos chamados 'Football Leaks', relembrando-se que muitas revelações feitas ao abrigo destas partilhas de informação estiveram na origem da publicação, durante vários anos, de notícias que deram lugar à abertura de muitas investigações em França e noutros países europeus", acrescenta o comunicado.