“Nem sei que horas são.” A reação de Diogo Caramelo quando recebeu o primeiro telefonema de Record não era de estranhar. Afinal, o avançado formado no Benfica trocara o Real Sport Clube (Massamá) pelo Tampines Rovers, em Singapura, e as oito horas de diferença baralhavam um jovem jogador que, apesar das saudades de Portugal, ficou encantado com o “admirável mundo novo” que encontrou no outro lado do globo: “Não tem nada a ver com o que conhecia. É uma mistura de indianos com chineses num país muito evoluído. Não há lixo no chão e as pessoas têm dinheiro. Vemos muitos carros luxuosos nas ruas e há muitos milionários aqui.”
Diogo Caramelo, Vítor Ladeiras e André Martins foram campeões de Singapura pelo Tampines Rovers, mas os dois primeiros prepararam o terreno para a chegada do terceiro. “A adaptação ao futebol foi fácil. Acolheram-nos bem. Viemos para o Tampines diretamente do Real Sport Clube, porque o Tampines precisava de um médio e de um avançado. Uma semana depois de chegarmos, lesionou-se um guarda-redes e o presidente falou com os nossos representantes [Gestifute] e chegou o André”, conta Diogo, revelando que a adaptação aos hábitos do país foi “mais difícil”: “Comemos em sítios que não sabíamos se tinham qualidade mas, com o tempo, fomos percebendo os hábitos alimentares e passámos a cozinhar em casa.”
Já a experiência futebolística serviu para todos crescerem. “Sem dúvida. Só o André é que foi titular indiscutível. Mas eu, mesmo não sendo aposta regular, evoluí, porque cada treino aqui é diferente. Tenho de agradecer ao treinador adjunto”, explicou Vítor Ladeiras, numa ideia corroborada por André. “Joguei com regularidade numa liga mais exigente e tínhamos um ótimo grupo que sempre nos tratou muito bem. O clube tinha perdido 4-0 no último jogo antes de chegarmos, mas depois embalámos. Fomos muito fortes”, explica o guarda-redes formado no Sporting.
O título deu direito a uma presença na Liga dos Campeões Asiáticos e, por agora, deixaram o clube. “Estamos tristes por ter deixado o clube, pois havia o aliciante da Champions”, referiu Diogo que, tal como André e Vítor, espera agora propostas para continuar a jogar na Europa ou na Ásia.
O amigo português dos cavalos. No bairro de Tampines, o trio teve ajuda especial. “Ao início nem acreditei que fosse possível vir para cá. Mas tivemos um português que trabalhava nas organizações das corridas de cavalos e que nos ajudou muito. Foi fundamental”, conta Vítor, formado no Estrela da Amadora. “Há aqui outros portugueses, e um que trabalhava com os cavalos deu-nos uma enorme ajuda. Mostrou-nos os melhores locais para comermos e integrou-nos”, explica Diogo Caramelo que esteve uma semana com Vítor Ladeiras, antes de chegar André. Este viajou de repente mas, no fim, até “gostava de ter ficado”. “Como nem deu para pensar quando recebi a oferta, caí um bocado de paraquedas lá. Felizmente, o Diogo e o Vítor já lá estavam e foi tudo muito mais fácil”, explica.
O intenso calor que assustou logo à chegada
Vítor Ladeiras ficou impressionado logo à chegada a Singapura, pelas difíceis condições climatéricas para a prática do futebol. “O mais difícil na adaptação foi claramente o clima. Quando chegámos [Vítor viajou com Diogo] fomos diretamente para um jogo do clube a contar para a Taça em que estava imenso calor. A humidade era mesmo muita e logo aí pensei: ‘Como é que vou conseguir jogar futebol com este calor?’, mas depois, com a preparação específica que fizemos e a habituação ao clima, tudo correu bem. Em termos de comida não tive problemas, embora seja melhor podermos cozinhar em casa”, afirmou o médio-ofensivo português, de 21 anos.
Festa do título merecia ambiente mais bonito
O Tampines Rovers foi tricampeão da Singapura, mas não se pense que a festa foi de arromba. Os singapurenses preferem corridas de cavalos e badminton ao futebol. “Festejámos à nossa maneira. Não é como em Portugal. Tínhamos alguns adeptos e os familiares dos jogadores. Aqui a cultura é outra. Adoram a seleção, mas a paixão pelos clubes é controlada”, conta André Martins. Já Vítor Ladeiras sente que “os adeptos reconheceram o esforço”, mas “a festa podia ter sido mais bonita”: “O clube foi campeão pela 3.ª vez seguida e isso também é bom para cativar os jovens. A festa merecia um ambiente mais intenso, mais caloroso, só que isso só se consegue com o tempo. Mas foi ótimo celebrar com todos.”
Um adeus que pode não ser eterno
O Tampines Rovers sagrou-se campeão da Singapura com André Martins como titular absoluto, com Vítor Ladeiras, habitual titular no meio-campo, e com Diogo Caramelo como arma secreta do ataque. Mas o presidente Teo Hock Seng pensa agora na participação na Liga dos Campeões Asiáticos e quer reforçar a equipa com jogadores experientes. Contudo, este adeus pode não ser para sempre.
“Aqui, um clube só pode ter um máximo de cinco estrangeiros, por isso é que era difícil ficarmos, tendo em conta a intenção do presidente”, contou Diogo Caramelo. Já André Martins deu uma novidade a Record. “No passado fim de semana, o presidente disse-nos que conta connosco para o futuro. Além disso, disse que vai continuar a acompanhar o nosso trajeto e talvez nos volte a chamar na próxima época ou na outra a seguir.”
Já Diogo Caramelo lamenta o facto de não poder continuar na equipa, até porque havia um aliciante extra: “Podíamos jogar a Liga dos Campeões Asiáticos e íamos evoluir bastante. Mas já foi bom poder crescer noutro ambiente e experimentar um campeonato diferente, com outro tipo de exigências.” André Martins e Diogo Caramelo revelaram, ainda assim, maior vontade de continuar no Tampines Rovers, apesar de estarem muito longe da família. Esse é um fator que, por outro lado, leva Vítor Ladeiras a querer regressar a Portugal. “Gostava de voltar a jogar no meu país mas isso também depende das propostas que aparecerem. A verdade é que estamos muito longe da família e isso pesa. É certo que a minha exigência a procurar um clube aumentou depois das condições que vivi aqui, mas estou aberto a ouvir todas as propostas que surgirem de Portugal.” Neste caso, as saudades batem mais forte.
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