“Nunca fiz a conta certa, mas devo ter manipulado entre 80 a 100 jogos de futebol. Em alguns desses jogos chegava a sentar-me no banco e a dizer aos jogadores e treinadores o que tinham de fazer. Era fácil.”
Wilson Raj Perumal é o rosto global do match-fixing (resultados combinados). O empresário, natural de Singapura, fazia parte de uma rede de corrupção desportiva com origem na Ásia e tentáculos espalhados por oito países europeus (Alemanha, Finlândia, Hungria, Suíça, Eslovénia, Itália, Croácia e Macedónia). A história é contada no seu livro “Kelong kings” (Kelong é dialeto singapurense para match-fixer). Perumal intitula-se “o mais prolífico manipulador de resultados do Mundo”.
Começou por trabalhar a nível local, mas rapidamente se expandiu para outros territórios. Alega ter conseguido corromper algumas das principais competições do Mundo: Jogos Olímpicos de 1996 e 2008; Taça das Nações Africanas; Goldcup, da Concacaf; Mundial feminino de 2007 e Mundial masculino de 2010. É precisamente nesta competição que o esquema de Perumal encontra a Seleção Nacional. O singapurense era proprietário da empresa Football 4U International, dedicada à organização de torneios e jogos particulares entre clubes e seleções. No entanto, esta atividade servia apenas de fachada para o real propósito: viciar esses jogos para tirar grandes proveitos financeiros no mercado ilegal de apostas da Ásia.
Seleção sob suspeita
A 8 de junho de 2010, Portugal realizou o seu último teste antes do Mundial de África do Sul. A equipa das quinas venceu Moçambique por 3-0, num encontro sem polémicas ou casos de arbitragem, apesar de ter sido organizado pela empresa de Perumal. Segundo um relatório da FIFA, publicado pelo “New York Times”, este é um dos seis encontros de preparação que podem ter sido viciados. A FPF já disse desconhecer qualquer irregularidade. Perumal, por sua vez, nunca se referiu ao jogo de Portugal, mas revelou no seu livro que a rede para a qual trabalhava terá saído de África do Sul “com uns bons quatro ou cinco milhões de dólares” (entre 3 e 4 milhões de euros) angariados com os jogos amigáveis.
A verba foi conseguida através do suborno a vários árbitros. Ibrahim Chaibou, natural do Níger, terá sido um deles. Perumal garante que lhe pagou cerca de 60 a 75 mil dólares (48 a 60 mil euros) por cada resultado que manipulou. Não foi o árbitro do jogo da Seleção, mas apitou o África do Sul-Guatemala, que acabou com uma goleada dos anfitriões (5-0). Chaibou assinalou duas grandes penalidades inexistentes contra os visitantes. Terry Steans, antigo investigador da FIFA, analisou essas decisões em junho deste ano, numa entrevista ao Channel 4: “No primeiro, viu que a bola tinha batido no peito do jogador e no segundo marcou um penálti por uma falta que aconteceu três metros fora da área.”
De acordo com a FIFA, Chaibou recebeu 100 mil dólares (80 mil euros) por este arranjo. O dinheiro foi depositado num banco nos arredores de Joanesburgo três horas antes do jogo. Apesar destas acusações, o árbitro diz não ter viciado qualquer resultado e nega conhecer Perumal. O relatório da FIFA, porém, desmente esta versão e revela que árbitro e empresário voltaram a trabalhar juntos em setembro de 2010, num encontro particular entre o Bahrain e uma falsa seleção do Togo (3-0). Quem apitou? Chaibou.
“Língua solta.”
Este arranjo mostra a capacidade da rede de Singapura. A federação do Togo revelou mais tarde que nunca mandou a sua equipa para o jogo. Por seu turno, os responsáveis do Bahrain disseram que tudo parecia estar correto e que trabalharam com um agente de jogos que já conheciam há alguns anos. Leia-se: Perumal.
“Ao fim de 10 minutos, os supostos jogadores do Togo não tinham fôlego. Não conseguiam correr”, referiu Terry Steans.
De salientar que os regulamentos da FIFA proíbem as empresas organizadoras de apontar árbitros para amigáveis entre seleções. Essa responsabilidade recai sobre a federação do país onde se realiza o encontro. Mas a influência da rede de Singapura permitiu substituir árbitros escolhidos pelas federações por outros mais flexíveis.
O relatório da FIFA revela ainda que Perumal ofereceu mais de 320 mil euros a um árbitro para manipular um jogo do Mundial de 2010, mas que o juiz recusou por considerar que o singapurense era uma “língua solta”.