Paulo Futre reprova qualquer profissional que aceite subornos para perder, mas faz uma distinção entre jogadores que ganham pouco, muitas vezes com salários em atraso, e outros que recebem ordenados milionários. “Nesses casos é incompreensível. Não passam por dificuldades e mesmo assim entram nestes esquemas, traindo o clube, os colegas e os adeptos.”
O que leva então estes jogadores a entrar na manipulação de resultados? A resposta é dada por Sivakumar Madasamy, outro singapurense que já foi condenado por fraude desportiva, num documentário da estação de televisão alemã ARD: “Nem todos são o Cristiano Ronaldo ou o David Beckham. Muitos futebolistas têm maus hábitos. Bebem, andam atrás de mulheres e saem à noite. Só porque jogam futebol têm dinheiro para tudo isto? Duvido.”
Os cartéis das apostas procuram perceber quais os jogadores que vivem acima das suas possibilidades para lançarem o isco. Madasamy garante que o seu alvo principal eram futebolistas abaixo da média, mas também procurava figuras de topo: “Se conseguíssemos um desses, melhor para nós.”
As posições de cada jogador são igualmente importantes: “O guarda-redes para poder dar um ‘frango’, o ponta-de-lança para falhar golos e um ou dois defesas que comprometam”, explica Futre. O antigo internacional português diz que os jogadores que estão limpos podem perceber quando um dos colegas está condicionado, mas não conseguem provar. “Muitas vezes diz-se dentro de campo: ‘Então, estás comprado?’ Mas é apenas uma boca.”
E o que acontece se alguém não cumpre com o combinado?
Quem trai, morre.
Primeiro, vem a cenoura: suborno. Depois, vem o pau: a violência para aqueles que não querem aceitar o dinheiro ou quebram o combinado. É uma velha máxima do crime organizado que faz parte do modo de atuação dos cartéis de apostas. Em 2000, Perumal agrediu um jogador de uma equipa singapurense que se recusou a participar num arranjo. Bateu-lhe com um stick de hóquei e foi condenado a 12 meses de prisão. Mas não acalmou.
Nos encontros de preparação antes do Mundial de 2010, Perumal ameaçou de morte o responsável pela arbitragem da federação sul-africana, Steve Goddard, depois de este não ter permitido que Chaibou arbitrasse o jogo entre África do Sul e Dinamarca. O dirigente tinha percebido as irregularidades nos jogos anteriores e não iria permitir que a fraude continuasse. Nomeou Matthew Dyer, árbitro do Portugal-Moçambique, para este jogo. A África do Sul venceu por 1-0, resultado que não serviu aos manipuladores, como lembrou Perumal no seu livro: “Precisávamos que o jogo tivesse três golos. Assim, perdemos 1 milhão de dólares [cerca de 800 mil dólares].” Quando Goddard saiu do estádio, recebeu um telefonema de Perumal: “Desta vez foste demasiado longe e vamos eliminar-te.”
A federação sul-africana não apresentou queixa à FIFA ou à polícia, mas Goddard ficou assustado e concordou com a sugestão de um dos seus colegas em deixar que o cartel de Singapura escolhesse o árbitro do jogo particular, agendado para o dia seguinte, entre Coreia do Norte e Nigéria. “Para salvar a minha vida”, admitiu mais tarde.
A ameaça devia ser levada a sério. Dan Tan, o cabecilha do grupo, tem uma máxima que não deixa margem a segundas interpretações: “Quem me trai, morre.” Um procurador italiano referiu que Dan Tan e o seu grupo constituem uma rede criminosa violenta no caso de alguém quebrar as suas regras.
Prisão para Dan Tan
Na sequência da investigação da Europol, as autoridades de Singapura conseguiram prender Dan Tan em setembro do ano passado, além de muitos dos seus colaboradores. Perumal encontra-se em liberdade condicional na Hungria, para onde foi extraditado depois de cumprir pena na Finlândia. Mesmo depois do afastamento destes homens, o grupo de apostas de Singapura continua forte, como lembrou um dos seus associados numa entrevista ao “New York Times”, concedida em maio: “Dan Tan e os outros estão presos, mas o cartel continua o seu trabalho. Têm pessoas novas para fazer o trabalho deles.”
Investigadores e infratores têm a mesma opinião: o match-fixing é imparável e está a destruir o futebol. Algumas competições têm sido tão afetadas que já se torna difícil separar a realidade da ficção. Em países como Singapura ou Malásia os adeptos abandonaram os estádios, os patrocinadores seguiram o mesmo caminho e o futebol entrou em colapso. O cancro começa agora a alastrar-se a outras zonas do Mundo. Madasemy, antigo manipulador, diz que a única forma de ter jogos a sério é acabar com todas as casas de apostas, mas sabe que isso é impossível. “O match-fixing nunca vai acabar. É como a prostituição. Como se impede a prostituição? A profissão mais antiga do Mundo? É a mesma coisa.”