Rafael: «Não tenho medo de jogar num grande»

Rafael: «Não tenho medo de jogar num grande»

"SE VOTAVA em mim para jogador-sensação da I Liga? Votava. Acima de tudo, tenho de ser realista." Rafael é assim. Um jogador de classe que, aos 26 anos, coloca o seu talento ao serviço da simplicidade de processos na qual o Paços de Ferreira assenta boa parte dos êxitos alcançados na presente temporada.

A concordância com a opinião maioritária dos técnicos auscultados por "Record" no balanço da primeira metade do campeonato surge depois de uma confissão de surpresa. "Até fiquei meio sem jeito", afiançou, no momento em que tomou conhecimento das escolhas que o apontaram como o homem em destaque no futebol português.

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O facto de técnicos como Jaime Pacheco ou Fernando Mendes estarem entre os avalistas da sua qualidade causou um especial regozijo no médio brasileiro. "Foi um grande voto de confiança", reconheceu, mas sem dar como adquirido o alargar de horizontes através da passagem para um clube de maior dimensão. Um desafio que, de resto, nem sequer receia.

"Não tenho medo de representar um grande", assevera convictamente. "Imaginem só as condições que um jogador tem quando está ao serviço de um clube de maior dimensão. Não só eu mas também outros jogadores do Paços de Ferreira teriam possibilidade de render ainda mais."

A opinião é de levar em conta, na medida em que Rafael tem experiência em praticamente todas as variantes conhecidas do futebol. É nos relvados que parece disposto a consolidar-se como um jogador de sucesso, mas foi no futebol de praia e no futebol de salão que encontrou a força necessária para superar os reveses que ameaçavam minar-lhe a carreira.

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Nova realidade

Depois de anos preenchidos por mais baixos sobre altos, a notoriedade é encarada como uma consequência para a qual os grandes jogadores têm de criar resistências no plano psicológico.

"Um jogador de futebol tem de estar preparado para se tornar conhecido de um momento para o outro. O Brasil é um país onde essas coisas acontecem com muita frequência. Muitos jogadores não dão certo precisamente por não estarem psicologicamente preparados para dar o salto. Eu creio que não vou ter problema em enfrentar essa nova realidade, dado que sempre fui uma pessoa humilde", deixa Rafael como garantia.

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Para além do mais, e na perspectiva que defende, "ninguém chega a uma equipa grande e começa imediatamente a jogar. Terei de matar um leão por dia para chegar à equipa titular", afiançou, rejeitando a provocação do jornalista em relação à conotação clubística do animal que utilizou como ponto de referência.

«Um futebol diferente»

"O futebol do Paços é... diferente." É esta a definição que Rafael encontra para a filosofia de jogo que transformou o clube da Capital do Móvel num conjunto de impressionante valia futebolística.

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A sua interpretação é pragmática na mesma medida em que os princípios delineados por José Mota são colocados em prática a cada encontro. "Nós, jogadores, vemos o fenómeno de uma forma simples. Entramos em campo somente com o intuito de jogar a bola. As pessoas que estão de fora falam de nós como uma grande equipa. No meu ponto de vista, o entrosamento vale setenta por cento do nosso rendimento", assevera, justificando com o facto da equipa já "estar montada desde a época passada", tendo "trocado somente algumas peças".

A partir daí, ficou criado o espaço para que "a potencialidade de cada um sobressaia", elogiando Rafael a capacidade de gestão de José Mota. "Ele acerta muito do meio para a frente. Permite o surgimento da criatividade dos jogadores, dando liberdade sem uma posição fixa. É isso que faz a diferença", aponta, realçando a "liberdade no caudal ofensivo" e "a pressão sobre a bola" como argumentos de peso que jogam a favor dos pacenses.

«Ainda não renovei»

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Afinal, Rafael não chegou a colocar no papel o acordo de renovação com o Paços de Ferreira até 2005. A notícia de que o jogador brasileiro tinha acedido a prorrogar o contrato não deixou de causar alguma surpresa, dado o impacto que as suas exibições têm produzido. Neste momento, o processo encontra-se parado.

"Ainda não renovei. Estamos em conversações, mas ainda não existe acordo. Trata-se de uma fase delicada, pelo que tenho de pensar no futuro. Isso não invalida que possa chegar a um entendimento com o Paços de Ferreira, mas desde que também seja bom para mim. O facto de poder assinar até 2005 não invalida a possibilidade de sair se aparecer alguma proposta. De resto, o meu contrato só termina em 2002. É um ponto que pretendo deixar um pouco de lado no momento. Quero pensar somente no meu trabalho", sublinhou Rafael.

Craque da praia brilha sobre a relva

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A história da vida de Rafael dava um livro. O craque do Paços de Ferreira nasceu na cidade brasileira de Porto Alegre e reconhece que, mesmo não passando fome, teve uma infância de "dificuldades". O pão nosso de cada dia de quem nasceu numa "família muito humilde".

Como se não bastasse, o pequeno Rafael teve de usar botas ortopédicas para "corrigir as pernas tortas". Ao que se vê, o tratamento deu pleno resultado. O contacto com o futebol deu-se por uma porta de entrada privilegiada, a das camadas jovens do Grémio de Porto Alegre. Um sonho só concretizado com a ajuda de uma tia, que lhe pagava a passagem do autocarro.

O inconformismo com as escolhas que eram realizadas levou-o, passado algum tempo, a dedicar-se somente ao futebol amador. Ainda arriscou uma experiência no Brasil de Pelotas, terra natal do portista Aloísio, mas uma "proposta insignificante" levou-o a regressar às categorias amadoras. "Ganhava mais dinheiro", justifica.

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Os escolhos pelo caminho não fizeram esmorecer o amor pelo futebol. O caminho para o reconhecimento surgiu por acaso, através do futebol de praia. Tudo começou com uma boa prestação num torneio estadual, não demorando muito a consagração num campeonato brasileiro.

"Em cinco ou seis jogos marquei 19 golos", recorda, numa prova onde defrontou todos os grandes nomes daquela variante futebolística. Rafael foi finalmente "recebido em casa como um herói".

Esse acréscimo de atenção valeu-lhe uma tentativa de contrato no futebol de onze alemão. Esteve sentado à mesa com os dirigentes do Colónia, mas não houve maneira de chegar a um entendimento.

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"Diziam que eu era muito caro, mas eu não compreendia nada do que se passava nas discussões com o meu empresário. Mesmo na Alemanha já tinha recebido um fax da selecção brasileira de futebol de praia. Por isso saí de lá e nunca mais voltei", refere Rafael.

A partir daí, andou a correr mundo com a selecção brasileira de futebol de praia, não deixando de passar pelo Mundialito que anualmente se realiza na Figueira da Foz.

Entretanto, surgiu mais uma tentativa de regresso ao futebol "a sério", através de um clube brasileiro chamado Ipiranga. Rafael assegura ter feito um bom campeonato, mas o interesse das grandes agremiações brasileiras nunca se confirmou.

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Foi então que apareceu na vida do jogador um empresário português que só agora começa a ser conhecido, Manuel Mota de seu nome. "Um amigo meu falou com ele sem eu saber de nada. Insistiu para que eu viesse para Portugal. Uma decisão na qual fui apoiado pela minha mulher. O problema era que o único vídeo que eu tinha era do futebol de praia", recorda.

Isso não afastou a curiosidade de José Mota, que promoveu a sua vinda a Portugal para um período de experiência. "Cheguei cansado por doze horas de viagem, mas joguei logo no próprio dia contra o Boavista. Pensei que aquele era o momento e tinha de o agarrar", diz o médio, que acabou por garantir um contrato com o Paços de Ferreira.

Um objectivo alcançado, mas suplantado pelo pesadelo de uma lesão. Um quisto num tendão obrigou Rafael a parar por cinco meses, no que considera ter sido o pior momento da sua vida.

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"Foi um azar que mexeu comigo mas, graças a Deus, recuperei perfeitamente. Foi a minha esposa que me ajudou quando eu estava de cabeça perdida", refere agradecido.

Agora, é precisamente com ela que recorda todas as peripécias de uma vida atribulada. "É uma sensação incrível olhar para trás e pensar em tudo o que aconteceu. Foi difícil suportar tanta coisa, mas era bom se acontecesse um final de história como o da Cinderela, aparecendo agora um clube a pagar bem a mim e ao Paços. Não me deixo levar pelo mundo da fantasia. Estão sempre a falar que saio para aqui e para ali, mas isso não adianta se nada se concretizar no final."

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