Mário Trindade: o homem que só tem tempo para viver

Mário Trindade: o homem que só tem tempo para viver
• Foto: nuno andré ferreira

Mário Trindade tem uma mania. Pensa que não sabe contar histórias, sobretudo a da sua vida. Mas está errado. O que conta é o sentimento, o entusiasmo, e isso ele tem. Sabe perfeitamente as causas e os porquês de ter dado os passos que o tornaram um vencedor, no desporto e na vida.

Em miúdo, este transmontano de Vila Real, hoje a viver em Viseu, transformou uma alcunha terrível – o "pernas de rã" – numa vantagem para ganhar provas de atletismo. Em adulto, bateu um recorde do Guinness Book só para ajudar duas amigas portadoras de deficiência e concluiu a Maratona de Berlim com uma perna partida só para não ficar parado à espera de assistência. Pelo meio, recebeu a notícia de que nunca mais ia andar e não sabe se ficou triste ou contente porque, assim, podia finalmente fazer "cavalinhos" com uma cadeira de rodas.

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O lado bom

Mário Trindade nasceu há 40 anos (completa-os no dia 25 de maio) com uma doença, a escoliose, mas nunca teve tempo para se lamentar. Só para viver e converter o mau em bom, o negativo em positivo. É esta a sua filosofia e a sua única forma de estar na vida. E esta é mais uma história de superação.

"Ainda em bebé, os meus pais notaram que eu era diferente dos outros meninos, chorava muito e na altura de começar a andar, não o fiz", relembra este atleta paralímpico que, no ano passado, garantiu os mínimos de acesso ao Projeto Paralímpicos Rio’2016 na prova dos 400 metros em cadeira de rodas, classe T52 (tetraparaplegias).

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"Ficou a dúvida se eu tinha escoliose e só aos 12 anos é que a doença foi confirmada. Andei em tratamentos, usei um colete, mas não deu para corrigir. A solução era operar, mas os médicos só o faziam quando eu fosse adulto", conta.

Mas nada disto o desmotivou. Nem a aparência física, que levava os colegas de escola a gozarem com ele. "O tronco não cresceu e fiquei com umas pernas enormes em relação ao resto do corpo. Chamavam-me nomes, como ‘pernas de rã’. Mas nunca liguei. Aliás, vi isso pelo lado positivo, ou seja, como tinha as pernas grandes, corria mais do que os outros. Quando o professor pedia para fazer o aquecimento na pista de atletismo, eu dava três ou quatro voltas ao campo enquanto os outros só davam uma", lembra.

E foi por essa altura que se apaixonou pelo atletismo. Entretanto o pai faleceu, teve de ir trabalhar, mas conciliava tudo com os treinos. Só que a escoliose agravou-se por volta dos 17 anos. Estava na altura de ser operado. "Nunca pensei que chegasse a isso, pois carregava sacos de 50 quilos, andava de joelhos, pegava em portas..." Mas tudo mudou e, como o próprio diz, nasceu outra vez.

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O lado mau

A operação era simples, mas algo correu mal. "Não sentia as pernas, não as conseguia mexer". Ficou em baixo, mas não tinha tempo para tristezas e aceitou o destino. "Disseram-me que a operação corria bem em 99,9% dos casos e, olhe, tive azar. Se calhar já tinham operado 99 e correu bem, quando chegou a mim correu mal", diz, com bom humor.

Mas o pior foi quando, no processo de recuperação, já noCentro de Reabilitação de Alcoitão, começou a ter uma dor na anca. Diagnóstico: uma luxação. Solução: ser operado, mas sem garantias de sucesso. Ou então ficar numa cadeira de rodas para sempre. Mário optou por não ser operado. "Quando estava em Alcoitão, via os outros a fazer ‘cavalinhos’ com as cadeiras de rodas e eu queria fazer o mesmo, mas os enfermeiros não deixavam. Assim, se quer que lhe diga, quando me disseram que não voltaria a andar, nem sei se fiquei triste, se fiquei contente. Por um lado a notícia era má, por outro, quando me disseram que tinha de ficar numa cadeira, pensei:porreiro, vou poder fazer ‘cavalinhos’ sempre que quiser. Coisas de adolescentes."

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O certo é que, mais uma vez, foi positivo: "Quando tenho um problema, procuro sempre encontrar a solução. No centro, via outros a acomodarem-se. Mas eu sempre achei que o tempo que vou perder em lamentos, posso utilizar para resolver problemas." Não há dúvida, Mário só tem mesmo tempo para viver.

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