Fernando Couto: «A selecção é um amor para toda a vida»

RECORD - Que tipo de sensações lhe provoca o facto de ser o primeiro jogador português a completar 100 internacionalizações?

FERNANDO COUTO – Todas as que posso relacionar com uma bela etapa deste longo percurso que me trouxe das camadas jovens do Sporting de Espinho até aqui. Não sou cuidadoso com as estatísticas nem cuido muito da memória mas, por ser um número emblemático e até hoje inatingível em Portugal, confesso que me sinto orgulhoso. É daquelas situações que obrigam uma pessoa a reflectir, a olhar para trás e a concluir que valeu a pena investir na carreira.

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R - Essa despreocupação será o truque para ter chegado tão longe?

FC - Não sei, acho que o segredo foi dedicar-me com paixão ao

que faço. Dou sempre tudo de mim e estou cem por cento disponível em qualquer circunstância e eventualidade para corresponder às exigências. São esses os princípios que me orientam enquanto profissional de futebol.

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R - E a selecção nacional também é só profissionalismo?

FC – A selecção é especial, é como um amor para toda a vida. É essa emoção suplementar que a distingue dos clubes.

R - As emoções de hoje, aos 34 anos, são as mesmas dos primeiros anos?

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FC – A selecção nacional representa tudo o que me rodeia e liga à terra: a família, os amigos, o lugar onde nasci, cresci e me

fiz homem. Com o tempo pode perder-se a magia da surpresa ou aquela vaidade própria da juventude, mas o orgulho e a responsabilidade são exactamente os mesmos. Sem esquecer o peso de representarmos todo um País, gente cuja felicidade pode depender de nós. Durante aquele período, carregamos um fardo que chega a pesar toneladas.

R - O humor das pessoas muda consoante os resultados das suas equipas, algo de que a selecção é, talvez, o expoente máximo…

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FC – Esse é um mistério que sempre me entusiasmou. Quando me ponho na pele do adepto e tento interpretar as motivações que levam as pessoas a ir aos estádios, percebo qual é a verdadeira dimensão do futebol na vida dos povos. Quando se joga ao mais alto nível é tudo muito intenso, especial e tremendamente desgastante.

R - Ao longo deste período essa relação com os adeptos já passou por muitas oscilações. Em que ponto estaremos neste momento?

FC – Depois da decepção do Mundial do ano passado, estamos a recuperar credibilidade e confiança junto das pessoas. Acredito que vamos superar esse desaire transformado em trauma nacional e numa das mais dolorosas decepções que nós, participantes directos, tivemos nas nossas vidas. Sei que é um lugar comum dizê-lo, mas ninguém sofreu mais que os jogadores.

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R - O desastre do Mundial deixou-lhe marcas difíceis de sarar?

FC – Eu acho que deixou marcas em toda a gente, mas muito particularmente nos jogadores. Passámos uma carreira a lutar pela presença na fase final de um Campeonato do Mundo. Falhámos 1994 porque estávamos no início, perdemos 1998 ainda hoje não percebo porquê e em 2002 estávamos na Coreia conscientes do nosso valor e com objectivos bem definidos. Entre nós não reinava a euforia, mas havia uma

consciência generalizada de que tínhamos uma palavra a dizer na história da competição. E mesmo quando percebemos que a situação era mais complicada do que prevíramos, mantivemos a confiança.

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R - No momento da derrota com a Coreia percebeu até onde chegava a depressão de todo o País?

FC – Senti-me frustrado e desiludido. O sofrimento foi tão profundo que não o consigo traduzir em palavras. Para responder à sua questão com sinceridade direi que lá, no Oriente, não medi toda a extensão da mágoa das pessoas. Percebi muita coisa à chegada ao aeroporto mas só depois deu para ver que havia muita revolta e pouca disponibilidade para perdoar. Foram tempos muito, muito difíceis.

R - A selecção portuguesa tem a particularidade de funcionar na lógica de uma geração, composta por gente que se conhece há muito tempo. Isso faz alguma diferença para superar esses momentos maus?

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FC – Claro que faz. O ambiente que se vive é equivalente ao de uma família. Também por isso, a selecção foi sempre um espaço apetecido para nos tornarmos ainda mais fortes.

R - No seu caso, por exemplo, chegou a funcionar como um ombro no qual descansou e retemperou forças em momentos menos bons da sua carreira…

FC – É verdade. Lembro-me de fases em que passava por dificuldades no clube, jogava na selecção e voltava como um homem novo. Mas essa é uma particularidade extensiva a todos. Este grupo, pelo ambiente, pela qualidade, pelo prazer comum a todos de jogarmos uns com os outros, permite carregar baterias de modo a regressarmos à luta diária mais aptos a encarar as situações mais delicadas.

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R - Apesar de tudo o que fez pelo futebol português, esta geração ainda não teve a tal glória prometida mas sempre adiada. Ainda haverá tempo para a conseguir?

FC – Temos a consciência do que fizemos pelo futebol deste País. Pela primeira vez houve uma geração com sucesso em grandes equipas estrangeiras e, como equipa, garantimos uma sequência de presenças em fases finais de grandes competições como nunca sucedeu em Portugal. Mas não estamos satisfeitos; não chega e em devido tempo assumimos como objectivo uma grande vitória, que seria a cereja em cima do bolo, como se costuma dizer.

R - Ainda irão a tempo de o conseguir?

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FC – Creio que sim. Apesar de grande parte já ter uma carreira

construída ao mais alto nível, bem recheada de títulos, sinto que os índices de motivação continuam elevados. Pessoalmente, quando entro em campo experimento as mesmas sensações de menino e mantenho presente que o importante, nessa altura, é ir lá para dentro e divertir-me jogando futebol – que era o pedido do professor Carlos Queiroz antes de cada jogo.

«Euro-2004 é ocasião de ouro»

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R - Escusado será dizer que o Euro-2004 é uma grande oportunidade para atingir esses objectivos…

FC – O Euro-2004 é, seguramente, uma ocasião de ouro para juntarmos uma grande conquista à que lográmos como juniores, em 1989. É fácil dizê-lo por antecipação e à distância de oito meses podemos sonhar à vontade. Não apelo à excessiva racionalização, porque devemos pensar sempre pela positiva; digo apenas que convém aproveitar este tempo para medirmos as nossas limitações e prever as dificuldades mesmo jogando em casa.

R - Mas acredita ou não que é possível concretizar o sonho?

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FC – Concretizá-lo está ao nosso alcance. Teremos uma responsabilidade muito grande sobre as costas, é verdade, mas estamos habituados a conviver com ela não apenas na selecção como no dia-a-dia nos nossos clubes. A determinação deste grupo é alcançar o tal troféu que nos foge e que os adeptos reclamam há muito tempo, talvez sem avaliarem que há outras equipas fortíssimas, representantes de países muito mais poderosos a todos os níveis.

R - Toda essa água na fervura ainda tem como referência o que

se passou na Coreia?

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FC – É uma referência importante, porque a desilusão teve consequências terríveis. A generalidade dos portugueses encarou o Mundial mais ou menos nestes termos: não chegarmos às meias-finais seria um fracasso quase total. Aceitámos as expectativas elevadas porque acreditávamos em nós próprios; não voltaremos a cometer o mesmo erro, porque as contingências de uma fase final são enormes. Por isso lhe digo: estou confiante, não perdi a ilusão, continuo a acreditar, mas apelo à moderação.

R - Nada disso vai ser fácil de conseguir, tendo em conta que

a prova terá lugar em Portugal…

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FC – Também não disse que vai ser fácil. E atenção: continuo

a pensar que há boas razões para acreditar nesta selecção e nas suas possibilidades. Só desejo que as pessoas não caiam, outra vez, em exageros. Somos um povo de 8 ou 80, que explode freneticamente nas vitórias – como agora aconteceu com o Mundial de hóquei em patins, por exemplo – e cai na mais profunda das depressões em caso de desaire. Peço apenas um pouco de equilíbrio e bom senso.

R - Tem a noção de que o Euro-2004 vai ser a última oportunidade da geração de ouro ou do que resta dela?

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FC – Nunca raciocino nesses termos. Uma grande ocasião é com toda a certeza, se vai ser a última, não sei, veremos depois. O desafio é aliciante, estamos preparados para o enfrentar, mas não obcecados com esse tipo de urgências que só prejudicam.

«Ser capitão é um orgulho»

R - Já reflectiu sobre a pressão acrescida que a selecção vai

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enfrentar jogando em casa?

FC – Aqui tudo é muito grande, intenso e rápido. De tal forma

que, por vezes, nem nos apercebemos dos momentos que estamos a viver. Ao serviço dos clubes somos profissionais e damos tudo; na selecção fazemos o mesmo, mas acrescentamos a exaltação de representar o País, o significado de tudo o que nos envolve, da terra, dos amigos, da família… E nem é preciso estar na fase final de uma grande prova para sentir isso, porque em qualquer jogo essas emoções suplementares se reflectem em nós. Eu dou muito valor a essas pequenas coisas, ao Hino, ao estádio coberto das cores de Portugal, aos cartazes…

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R - Efeitos de ser emigrante há quase dez anos?

FC – Talvez. Sempre fui assim, mas desde que vivo no estrangeiro fiquei mais sensível. Por exemplo: sofro com os clubes portugueses nas competições europeias e fiquei pregado à televisão a ver a final do Campeonato do Mundo de hóquei em patins.

R - Que importância atribui ao facto de ser capitão de equipa?

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FC - Estar na selecção é mais importante que ser capitão, mas ter a braçadeira, sendo uma prova de confiança, aumenta o orgulho, a emoção e a responsabilidade.

R - Que papel desempenha junto dos novos jogadores?

FC – Cada um faz as coisas à sua maneira. Eu procuro enquadrá-los e transmitir-lhes alguns princípios que acho importantes para o grupo. Eu e os mais antigos, como o Luís (Figo) e o Rui (Costa). Sempre com a preocupação de não os bloquear, de não os subjugar às regras existentes, de lhes dar espaço para se sentirem livres e expressarem a sua criatividade. Todos são muito inteligentes; chegam aqui com 20 anos e têm uma experiência de vida que nós tínhamos na idade deles. Cabe-me, como capitão, dar as boas-vindas, desejar que tenham sorte e esperar que a sua integração represente mais-valia para a selecção.

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R - Como define esta fase de transição?

FC - É uma fase que cimentou o bom ambiente que existia entre

nós. Os grandes grupos precisam de solidez nos princípios e nas relações. E nós temo-la. Esta juventude que está a chegar ao topo tem qualidade fantástica e suporta-se em formação irrepreensível. A esse nível, não tenho dúvidas: estamos preparados para enfrentar o Euro-2004 e o que vem a seguir.

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R - Já vive condicionado, de alguma forma, pelo significado do

Euro-2004?

FC – Limito-me a viver cada momento da carreira e a sentir a

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ansiedade que antecede cada jogo. Ter o Europeu à porta mexe

com as pessoas e é fantástico do ponto de vista do crescimento do País; aos poucos, essa aproximação vai criando em nós a noção exacta do que iremos encontrar. A partir de agora é fundamental saber conviver com a pressão e transformá-la numa força positiva. Só não gostaria de deixar cair uma ideia que já abordei nesta entrevista e que é muitas vezes deturpada por mentes perversas: ninguém mais do que os jogadores vai estar empenhado em transformar o Euro-2004 num grande êxito desportivo. Podemos ter mais ou menos sorte, mais ou menos inspiração; mas estaremos cem por cento disponíveis para dar o máximo de nós próprios.

Quatro vitórias em quinze jogos

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Os primeiros passos de Fernando Couto na selecção nacional foram marcados pela dificuldade de afirmação. Nas suas primeiras 15 internacionalizações, entre Dezembro de 1990 e Fevereiro de 1993, o saldo não foi exuberante: quatro vitórias, sete empates e quatro derrotas. Um cenário que lhe merece hoje um comentário curioso:

– Aquela era uma fase complicada. O entusiasmo à volta da selecção era quase nulo, os adeptos estavam distantes e parecia evidente a necessidade de renovar a equipa quase em bloco. Aos poucos fomos conquistando o nosso espaço de afirmação, mas até lá passámos por imensas dificuldades.

A concluir:

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– Recordar esses primeiros passos sugere-me os cuidados que é preciso ter hoje para que a renovação em marcha seja feita com menos sofrimento e melhores resultados desportivos. Também nesse capítulo, estamos hoje muito melhor que há dez anos.

O adeus ao Mundial-94

Em 99 jogos ao serviço da selecção, Fernando Couto foi expulso uma vez, com a Itália, no jogo que marcou o afastamento de Portugal do Mundial de 1994:

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– Era o primeiro grande momento desta geração. Tínhamos pouca experiência, jogávamos todos em Portugal mas já estávamos a ser seguidos por grandes clubes europeus. Sofremos um golo já na segunda parte e na parte final a cabeça já não dava para mais. Envolvi-me numa picardia escusada com o Casiraghi e acabei por ser expulso. Foi a única vez que tal sucedeu ao serviço da selecção.

Rumo ao grande palco

Entre os momentos de alegria, realça todos os que significaram

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vitória e, principalmente, aqueles que selaram a qualificação

para as fases finais:

- A qualificação para o Mundial 2002, frente à Estónia, teve a magia de carimbar o passaporte para a Coreia; frente à Hungria, para o Euro-2000, foi lindo mas eu não tinha as ideias no lugar, porque não joguei; frente à República da Irlanda, em Novembro de 1995, quando vencemos por 3-0, vivi aquele que terá sido o momento mais intenso. O estádio da Luz estava espectacular, com um ambiente fantástico; o Rui (Costa) marcou um golo inesquecível e, pela primeira vez, garantíamos a presença na fase final de uma grande prova. A felicidade foi total.

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Reviravolta em Eidhoven

Permanece como o jogo de uma época, herdeiro legítimo do Portugal-Coreia do Norte do Mundial de 1966:

- Se tiver de escolher o jogo mais marcante que efectuei na selecção nacional, não tenho dúvidas: foi frente à Inglaterra, no arranque do Euro-2000. Tenho sérias dúvidas se uma coisa daquelas se poderá repetir alguma vez. Aos 20' perdíamos por 2-0 com uma das maiores potências do futebol; continuámos a jogar tranquilamente e operámos uma reviravolta sensacional. Foi muito importante para a nossa auto-estima, ao mesmo tempo que definiu o que queríamos e onde podíamos chegar.

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Três momentos dolorosos

Figura assídua nos últimos treze anos, define três ausências dolorosas na longa caminhada:

- A primeira ocasião em que sofri por não estar presente foi

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com a Alemanha (06/09/1997). Vi um cartão amarelo com a Arménia e falhei o confronto decisivo para a presença no Mundial de 1998. Não estive em Berlim e sofri ainda mais.

Dois anos depois, novo afastamento em vésperas de um jogo importante:

- Foi com a Hungria (9/10/1999), na Luz, quando comemorámos a qualificação para o Euro-2000. Um cartão amarelo na Roménia atirou-me para fora dos convocados. Assisti ao jogo, participei na festa, mas foi terrível não ter actuado.

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Mas o pior ainda estava para vir:

- Estava em estágio para o jogo com a Irlanda (2/6/2001). Viajei

para Dublin e só quando aterrei me disseram que a FIFA me tinha suspenso de toda a actividade, por causa do célebre problema do doping. O momento era de tensão emocional e agarrava-me àquele jogo como tábua de salvação para o bem-estar. Foram horas horríveis. Assisti ao jogo perto do banco, na companhia do Vítor (Baía) e do Paulo (Sousa), ambos lesionados. Empatámos e ficámos praticamente apurados para o Mundial. Foi o que valeu...

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Perfeito em Roterdão

Portugal voltava a Roterdão, onde vencera a Alemanha por 3-0 na fase final do Europeu. Dias depois de empatar na Luz com a Irlanda, a selecção defrontava a Holanda na fase de apuramento para o Mundial da Coreia. Um jogo espectacular, ganho por 2-0 e no qual Fernando Couto roçou a perfeição: não cometeu uma única falta.

- Lembro-me perfeitamente desse jogo, no estádio do Feyenoord. O nosso jogo colectivo foi perfeito e assim conseguimos bater uma das melhores selecções do Mundo. Foi daquelas noites raras: tudo o que falámos antes do jogo aconteceu, incluindo os pormenores. Foi uma coisa do tipo: "temos de marcar cedo" (e marcámos); "eles vêm para cima de nós" (e vieram); "temos de jogar em contra-ataque" (e jogámos); "pode ser que nos dêem espaço para fazer mais um golo" (deram-no e marcámos). A minha actuação? Não recordo os detalhes, mas lembro-me que, no final, era um homem feliz. Não cometi qualquer falta? Isso é que foi uma noite de excepções…

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«Jaap Stam é fantástico»

R - Assim, de repente, lembra-se dos seus parceiros mais marcantes ao longo da carreira?

FC - Aloísio, Jorge Costa, Cannavaro, Blanc, Popescu, Nadal, Abelardo, Nesta, Mihajlovic e Stam. É mesmo de repente...

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R - De todos eles quem lhe parece o melhor?

FC - Jaap Stam. Ele é simplesmente fantástico. Daqueles com quem trabalhei directamente é o mais completo, aquele que tem mais qualidades. O Blanc tinha muita classe; era um jogador extraordinário e um companheiro fantástico, educado, amigo. Com eles na mesma equipa todos os outros ficavam de fora.

R - Foi fácil entender-se com qualquer deles?

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FC - Tenho bom poder de adaptabilidade. Mas aquele com quem formei a melhor dupla foi o Jorge Costa. Nenhuma dúvida quanto a isso. Jogávamos de olhos fechados.

R - Quem foi, até hoje, o avançado mais difícil de marcar?

FC - O avançado mais abrangente, aquele que junta mais qualidades e me enche as medidas é o Patrick Kluivert. Tem velocidade e técnica; é bom no jogo aéreo e muito poderoso fisicamente. Como tem muita mobilidade e foge às marcações com inteligência, é muito difícil de marcar. Talvez não seja aquele ponta-de-lança autêntico, o goleador como nós o concebemos, mas como atacante é o melhor de todos.

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Quando Ronaldo lhe caiu à frente

Um episódio marcante na carreira de Fernando Couto:

– O Ronaldo, na altura a jogar no Inter, corria na minha direcção;

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fui ao seu encontro e ele caiu à minha frente, sem que eu lhe

tivesse tocado. Ainda hoje guardo essa imagem como uma das mais arrepiantes de que me lembro. Ouvi um barulho estranho, um daqueles estalos secos que anunciam tragédia, seguido dos gritos de dor. Percebi logo o que estava a sofrer. Quando olhei melhor vi que tinha o joelho ao contrário. Pirei-me logo dali para fora. Ainda bem que ele recuperou totalmente e está aí de novo a dar cartas. Desde que nos encontrámos em Barcelona, ficámos muito amigos.

Barcelona foi o clube que mais me marcou

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R - No retrato dos clubes que representou ao mais alto nível, onde coloca o FC Porto?

FC - O FC Porto ocupa um lugar de grande evidência. Foi decisivo na minha formação como jogador e, sobretudo, como vencedor. Ali aprendi a ganhar e a manter ambição para nunca me acomodar com um, dois, dez triunfos. O clube, pela sua filosofia, acentuou a faceta competitiva que já trazia da infância; as pessoas que lidaram directamente comigo deram seguimento à educação que os meus pais me proporcionaram. Estou grato a todos eles: contribuíram para me tornar um melhor homem e um melhor futebolista.

R - O Parma foi a primeira etapa no estrangeiro…

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FC - Fiz uma óptima escolha. Estava com 25 anos, em plena maturidade física e pronto para enfrentar o grande desafio. Os resultados foram suficientemente eloquentes para perceber hoje o acerto da decisão. O Parma era um clube a crescer, de uma cidade pequena; não tinha a pressão dos colossos italianos, dispunha de um grupo de grandes jogadores e foi assim que chegou à vitória na Taça UEFA, por exemplo. Adaptei-me ao estilo de vida, à língua e à mentalidade italianas sem qualquer sofrimento.

R - Antes de ir para o "cálcio" esteve quase a transferir-se para Inglaterra…

FC - É verdade. Pelas minhas características, sempre olhei o futebol inglês como sendo perfeito para mim. Estava animado com a possibilidade, mas acabei em Itália e no Parma. Tenho a certeza de que foi o clube ideal para iniciar a experiência no estrangeiro.

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R - A seguir veio o Barcelona. Como encarou a mudança?

FC - Vamos clarificar já a situação: o Barcelona foi o clube que mais me marcou. É o máximo como expressão de sentimentos, de grandeza, de representação de um povo (o catalão) e de um território (a Catalunha). É muito mais que um clube. Por isso, já vê, a mudança foi grande mas, ao mesmo tempo, feliz. Sinto grande orgulho por ter envergado aquela camisola, durante dois anos. O grupo era fantástico, liderado por uma equipa técnica já conhecida (Robson e Mourinho), composto por mais dois jogadores portugueses (Vítor Baía e Figo), enquadrado por gente extraordinária. Ganhámos coisas importantes e cresci como jogador. O Barcelona foi o clube que mais gostei de representar.

R - Sofreu com a saída?

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FC - Foi um momento triste, com origem na mudança de treinador. Tinha sido contratado por Bobby Robson e quando Van Gaal chegou trazia outras ideias e outros jogadores. Curiosamente gostava dos métodos de trabalho, mas não me identificava com a sua maneira de ser.

R - Como classifica, então, esse comportamento do técnico?

FC - Sempre o considerei injusto, não só comigo mas com outros jogadores que tinham mais tempo de casa e dado muito mais ao Barcelona do que eu. Van Gaal é um homem de ideias fixas. Tomou decisões polémicas e salvou-se enquanto ganhou. Quando deixou de ganhar… não tinha muito a que se agarrar. Saiu como os outros.

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R - Até que surge a Lazio na história…

FC - É verdade. Uma vez mais estive quase em Inglaterra, com a diferença de que, então, cheguei a ter como dado adquirido que ia. A meio da viagem apareceu o interesse da Lazio, muito empenhada pela vontade de Eriksson. Estou no sexto ano de clube e não me posso queixar. Mesmo não sendo perfeito na sua organização, trata-se de clube com muitos adeptos e uma força tremenda. Como resultado da sua história recente, é uma instituição que pensa em demasia no imediato.

R - Tem planos para depois da Lazio?

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FC - Não, não tenho. Sempre encarei as coisas da mesma forma e não apenas agora, que já não sou um garoto: vivo o dia a dia com muita intensidade e, para mim, o futuro é o próximo jogo. Esta é uma vida tão desgastante, com um ritmo tão alucinante, que não preciso de esforços suplementares para estar ocupados e cheio. Pensar no que vou fazer daqui por ano só me atrapalha.

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